Sid Sauer
De Campo Mourão
A dona de casa Leonilda Lemes Duarte, 56 anos, quase morreu do coração no último domingo, surpreendida com a visita da filha Elizabete Moreira Duarte, 29 anos, que ela tinha certeza estar morta há três anos. ‘‘Ainda vou levar alguns dias para me dar conta do que está acontecendo’’, disse dona Leonilda. Pudera. No dia 11 de outubro de 1996 ela velou e enterrou o suposto corpo da filha no Cemitério Municipal São Judas Tadeu, de Campo Mourão, que havia sido morta em Curitiba.
Somente no domingo, quando a filha reapareceu na casa da mãe, é que a família foi descobrir que havia reconhecido um corpo errado no Instituto Médico-Legal (IML) de Curitiba. Na época, o reconhecimento foi feito pelo pai de Elizabete, o motorista Pedro Moreira Duarte, e por um irmão dela. O corpo estava bastante desfigurado por causa de uma série de golpes de faca, mas ela foi reconhecida devido a uma cicatriz na parte de trás de uma das pernas.
‘‘Passei todos esses anos chorando e pedindo a Deus para que se fizesse justiça com as pessoas que haviam matado minha filha’’, conta a mãe. ‘‘Agora, ela aparece viva. Para mim, mais nada é impossível’’. Dona Leonilda desmaiou quando a filha apareceu. Ela estava tomando chimarrão com outros parentes quando Elizabete chegou, sem saber que estava sendo considerada morta desde 1996. Ela tem três filhos que também a consideravam morta.
A falsa morte de Elizabete, que trabalhava como doméstica em Curitiba, teve início quando ela resolveu ir embora para Santos (SP) sem avisar a patroa com quem trabalhava. Preocupada com o desaparecimento de Elizabete, a patroa telefonou para a família da doméstica em Campo Mourão atrás de informações. Como ninguém sabia de nada, foi iniciada uma busca que só terminou no dia 9 de outubro, com a identificação do corpo no IML.
A mulher identificada como sendo Elizabete havia morrido assassinada no dia 6 de outubro. O corpo seguiu para Campo Mourão num caixão lacrado e foi velado na capela mortuária do Cemitério Municipal. Dona Leonilda, que viu o corpo apenas pelo ‘‘visor’’ do caixão, conta que achou a filha ‘‘menos morena’’ que o normal, mas foi informada que isso era normal porque ela havia perdido muito sangue.
Elizabete disse aos familiares que desde que foi para Santos escrevia com frequência cartas para a mãe, mas as correspondências eram devolvidas. O problema é que ela usava a numeração antiga da rua, que foi mudada numa reformulação realizada pela prefeitura. ‘‘Mesmo que tivesse recebido essas cartas acharia que era brincadeira de alguém’’, diz a mãe. Ainda assustada, Elizabete não quer dar entrevistas nem tirar fotografias.
‘‘A família ainda está perdida, sem saber o que fazer’’, conta o cunhado de Elizabete, o mecânico Romário Ferreira Bueno. ‘‘A polícia vai ter que descobrir agora de quem é esse corpo que foi enterrado em Campo Mourão’’. Romário lembra que só o translado do corpo de Curitiba a Campo Mourão custou cerca de R$ 1,3 mil, além das despesas com caixão e com o túmulo – lote 5 da quadra 255 do Cemitério São Judas Tadeu.
Outra preocupação é regularizar a situação de Elizabete, que oficialmente está morta. A certidão de óbito dela está em Curitiba, com um sobrinho. Os documentos dela não existem mais. Eles foram roubados junto com uma bolsa dela em Santos. Foi para fazer novos documentos que Elizabete voltou a Campo Mourão, onde está sua certidão de nascimento. Ela pretendia ir embora logo, mas resolveu ficar até que possa ser considerada viva de novo.
O delegado-adjunto da 16ª Subdivisão Policial de Campo Mourão, Benedito Lúcio de Souza, disse ontem que Elizabete deve procurar a Promotoria para iniciar um processo visando a anulação da certidão de óbito. Sobre o corpo que estava enterrado em Campo Mourão, ele disse que deverá ser aberto um novo inquérito, em Curitiba, para tentar identificá-lo. Segundo o delegado, o corpo dessa mulher terá que ser exumado.