Filha luta para manter mãe longe das ruas em Londrina
Historia de Ana Paula Cotoski e da mãe Maria Inês de Souza emociona internet; "Eu não a julgo por seus erros, apenas a amo incondicionalmente"
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terça-feira, 17 de setembro de 2024
Historia de Ana Paula Cotoski e da mãe Maria Inês de Souza emociona internet; "Eu não a julgo por seus erros, apenas a amo incondicionalmente"
Bruno Souza - Especial para a FOLHA
Um desafio constante e uma batalha que perdura por mais de duas décadas: a história de Ana Paula Cotoski, de 31 anos, e a sua mãe, Maria Inês de Souza, de 53 anos, poderia ser contada em um filme. A jovem londrinense expôs nas redes sociais um vídeo em que mostra o antes e depois de sua mãe, uma conhecida ex-moradora de rua da zona norte de Londrina.
A transformação chamou a atenção de centenas de internautas. Muitos - que a reconheceram dos tempos em que perambulava pelas calçadas da Saul Elkind - ficaram surpresos pelo fato de ela ainda estar viva, o que comprova o quão crítica era sua situação.
Inês, como era chamada pelos moradores locais, esteve por quase 20 anos transitando pela região, gritando pela avenida, ameaçando pessoas de agressão e também sendo agredida. A imagem atual destoa totalmente da fragilizada Inês do passado. A filha devolveu a ela a autoestima perdida após anos de sofrimento nas ruas.
Ela está há seis anos sem usar qualquer tipo de entorpecente e é tratada no Caps 3 (Centro de Atenção Psicossocial 24h ), localizado no Alto da Boa Vista (zona norte de Londrina). Para Ana, esse período "limpo" de sua mãe é uma conquista inexplicável. "Eu não a julgo por seus erros, apenas a amo incondicionalmente. Eu sempre falei que queria estar lá no lugar dela quando tinha o poder de decidir experimentar a droga. Eu seria forte por ela e não faria isso."
INFÂNCIA DIFÍCIL
Ana Cotoski afirma que a depressão e o sentimento de rejeição "desde a barriga" foram os grandes responsáveis por levar a sua mãe às ruas. "Desde pequena, eu cresci ouvindo a mesma história de que ela foi encontrada em uma caixa na linha de trem, abandonada pela mãe. Não sabemos o motivo, nem quem de fato é a família dela. A minha avó a encontrou", conta.
Inês teve uma infância difícil e sofreu maus-tratos, além de ter sido violentada aos 14 anos de idade. Teve dois filhos não assumidos pelos pais e, no terceiro relacionamento, sofreu violência doméstica, tendo que lidar com um marido usuário de drogas.
"Ela sofreu muito, pois ele a agredia e abusava da minha irmã, que não era filha dele. Minha mãe conta que eu e minha irmã fomos feitas à força, por estupro. Com o passar do tempo, ela conseguiu sair da relação e fomos morar sozinhas. Ela começou a trabalhar de empregada doméstica e lutar pela nossa sobrevivência."
CONTATO COM AS DROGAS
O primeiro contato da ex-moradora de rua com as drogas aconteceu quando Ana tinha apenas 7 anos de idade. A jovem relembra que a sua mãe "caiu em uma armadinha" ao tentar ajudar um homem estranho na rua.
"Um dia estávamos passando na frente de um bar quando avistamos um homem na rua com uma garrafa de pinga. Ela parou para falar de Deus para ele. Uma semana depois, ela o levou para a igreja e, quando me dei conta, ele já estava morando em casa. Foi tudo muito rápido. Ela achava que Deus ia tirar o vício dele."
Durante esse período, Ana relata que foi morar longe da mãe. Um ano depois, voltou a conviver com Inês pensando que havia acabado o sofrimento, que, segundo ela, estava apenas começando.
"Passado um tempo, minha mãe conseguiu um emprego na lavanderia do Hospital Evangélico, conseguiu um empréstimo e deu entrada em uma casa no Novo Horizonte (bairro da zona norte de Londrina). Pensei que tinha acabado o sofrimento dos abusos, mas lá começou outro sofrimento: o de vê-la usando drogas."
Com novos amigos, vizinhos e uma vida simples, Ana agradecia por ter se livrado dos abusos sexuais. Porém, certo dia, avistou a mãe e o companheiro numa cena inédita até então para ela, mas que marcou toda a sua vida.
"Fui com um travesseiro e um cobertor para o fundo de casa e, quando cheguei, quem estava lá com uma lata na mão agachada usando drogas era ela e o marido. Eu fiquei assustada, não sabia o que era aquilo. Tinha só 10 anos e não entendia, mas sabia que não era normal. Voltei para dentro e fiquei quietinha ali", recorda.
'ELA JÁ ESTAVA AFUNDADA'
Ana passou a notar a ausência de eletrodomésticos e roupas em casa. "Fui procurar o ferro de passar roupa, e tinha sumido. Até o único casaco que eu tinha para o frio havia sumido. Ela já estava afundada. Cortaram a água e a luz e ficamos sem nada. Eu só me alimentava na escola. Chegava a desmaiar, cair de tontura."
Com a realidade se tornando insustentável, Ana não teve outra alternativa a não ser ligar para a sua avó paterna e pedir ajuda. A partir daí, foi morar com ela e deixou Inês com o companheiro.
TENTATIVAS FRUSTRADAS'
Inês passou mais de 14 anos na avenida Saul Elkind sobrevivendo da ajuda de pessoas estranhas. Ana ressalta que tentou resgatá-la várias vezes, mas todas as tentativas eram frustradas.
"Ela era agredida por outros moradores de rua, pelo marido e até por pessoas que ela mexia por causa da bebida e da droga. Na época, morando com a minha avó, eu era adolescente e as pessoas riam de mim, porque, quando eu a via na rua, eu parava para falar com ela, afinal era minha mãe."
Tentando deixar o passado para trás, a jovem e a sua avó se mudaram para Joinville (SC). Com 15 anos, ela começou a fazer tratamento psiquiátrico por causa de uma depressão. Algum tempo depois, Inês foi procurar a filha na nova cidade
"Alguém pagou a passagem dela. Quando cheguei [na rodoviária], a minha mãe estava irreconhecível. Fazia cerca de um ano que eu não a via. Estava pesando uns 40 quilos. Chegou com a perna queimada e com a cabeça raspada por conta de uma sífilis que pegou nas ruas. Ela fazia sexo a troco de bebida e drogas", conta.
Tratada pela filha e pela ex-sogra, Inês se recuperou e depois de três meses pediu para ver o companheiro, que ainda estava em situação de rua. Ao chegar em Joinville, ele ofereceu drogas novamente a ela, acarretando em uma nova recaída.
Mesmo morando em Santa Catarina, a jovem não deixou de insistir na recuperação da mãe. "Eu ia para Londrina para vê-la e interná-la. Foram muitas tentativas, já que ela fugia. Aí fizeram a internação compulsória e ela está lá até hoje."
REFLEXOS NO PRESENTE
Ana, enquanto contava a história de Inês, relembrou diversos momentos que traumatizaram a sua infância. Mesmo que o passado tenha reflexo no presente, ela não deixa de demonstrar amor pela sua mãe e pelo seus filhos, numa tentativa de quebrar uma sequência hereditária de dor e sofrimento.
Hoje, a jovem trabalha como consultora materna. Ela divide com milhares de seguidores o seu dia a dia.