Despedir-se de um animalzinho de estimação nunca é fácil, afinal, muitos consideram o pet como um verdadeiro membro da família. E quando se trata de eutanásia, aceitar essa morte pode ser um processo ainda mais doloroso e complicado.

Médico veterinário há 21 anos, Kleber Moreno lida com essas situações no dia a dia. A qualidade de vida do paciente é um dos pontos crucias na hora de recomendar a interrupção da vida de um animal. Além disso, diagnósticos de doenças mais agressivas e prognósticos ruins também são levados em conta. “Um paciente com estadiamento avançado e prognóstico reservado ou desfavorável pode não ter condições clínicas para receber um tratamento e isto pode ser um indicativo de eutanásia. Sofrimento sem perspectiva de reversão clínica também”, explica o profissional.

A condição econômica e social de alguns tutores são fatores que agregam, destaca Kleber. “Essas condições dos tutores aliadas a um quadro clínico grave (e na falta de políticas públicas que possam auxiliar estas famílias) são fatores a serem considerados também na eutanásia”, afirma.

‘ERA MUITO DIFÍCIL VÊ-LO SOFRENDO’

Companheiro fiel de Fauze José Junior, Chopin tinha apenas quatro anos quando precisou ser eutanasiado. O gatinho foi adotado pela filha de Fauze, Natalia Mantova, que relembra a relação do pai com o animal. “O Chopin entrou de forma inesperada na vida do meu pai, que nunca tinha convivido com gatos e achava que não gostava. Chopin já chegou mudando tudo, eles ficaram inseparáveis!”, recorda.

Ainda filhote, o animal começou a ter crises convulsivas e precisava tomar medicação diariamente. Alguns anos depois, a família descobriu que Chopin tinha uma doença renal já em estágio avançado e que progrediu de forma rápida. “Tentamos de tudo: ele ficou internado diversas vezes, eu oferecia alimento até na seringa, mas ele não melhorava. Era muito difícil vê-lo tão magro e sofrendo daquele jeito. Chegou em um ponto que só estávamos prolongando o sofrimento dele. Foi quando optamos pela eutanásia”, Natalia relembra.

Após tomada da decisão, a filha e a esposa de Fauze foram até a clínica e acompanharam todo o processo. “Meu pai não conseguiu entrar junto. Foi um momento muito difícil. Depois escolhi uma árvore bonita no sítio do meu avô para levá-lo”, explica.

ESCOLHA DELICADA

O mesmo luto foi vivido por Marilene Bertão, tutora do Bartolomeu. O pet entrou na vida de Marilene quando tinha apenas dois meses de vida. “Perdemos um Cocker que viveu conosco por 12 anos. Para preencher o vazio, pesquisamos e encontramos em Curitiba um cachorro da mesma raça. Marcamos de nos encontrar com a vendedora em um pátio de uma igreja da cidade. Foi amor à primeira vista”, relembra.

Logo em seguida, a tutora levou o cãozinho a um veterinário, para receber todas as vacinas necessárias. Mas, após 30 dias, ele começou a ter complicações em seu estado de saúde. “Relatamos as convulsões à vendedora, que nos disse que ele estava com a saúde perfeita”, afirma.

Na manhã seguinte, as convulsões começaram a ficar mais frequentes. Marilene então levou o pet até uma clínica veterinária, onde ele precisou ser internado e positivou para cinomose. “Foi um momento muito difícil", lamenta a tutora.

Com o apoio e assistência do veterinário, Marilene optou pela interrupção da vida de Bartô. “Assinei um termo de responsabilidade e, após isso, iniciaram o procedimento, com remédio para adormecer e a seguir a eutanásia”, relembra.

LUTO

Assim como qualquer morte, a perda de um pet traz um luto para os tutores. Saber lidar e processar esse momento delicado é de extrema importância, em especial quando se trata de uma morte por eutanásia. De acordo com o psicólogo Lucas Barbosa dos Santos, “buscar rede de apoio é importante. Por mais que seja uma decisão sua, não precisa ser solitária”, afirma.

Ainda segundo o profissional, esse luto pode trazer vários sentimentos à tona, como raiva, medo e frustração, além dos vários porquês, em sua maioria sem respostas. “No luto por animais de companhia, há uma censura muito grande. Precisamos reconhecer, como, onde e quando dói. Quando sinto saudade? No luto não existe receita pronta, não cabe em fases. É uma experiência singular e se estiver muito difícil, peça ajuda”, enfatiza Santos.

‘PODE IR TRANQUILO, LOGO NOS REENCONTRAREMOS'

De acordo com Kleber Moreno, tanto em cães quanto em gatos, a eutanásia deve ser realizada em um procedimento calmo. “O paciente dever ser anestesiado e, em seguida, aplicado a segunda medicação com intuito de proporcionar a parada cardiorrespiratória e na sequência o óbito”, explica o profissional.

O processo pode ser acompanhado pelos tutores, que precisam estar cientes da delicadeza emocional que isso envolve. “Cabe ao veterinário preparar o ambiente, junto com seus auxiliares, e explicar que, durante ou logo após realização da eutanásia, este paciente poderá urinar e defecar. É comum ocorrer algumas pequenas construções musculares, mesmo após parada cardiorrespiratória e isto não significar dor ou sofrimento”, pontua Moreno.

Mesmo precisando lidar com a eutanásia na sua rotina de trabalho, Kleber não deixa de se emocionar com as histórias que presencia. Ele relembra uma das mais marcantes, quando ainda era residente no HV/UEL e precisou fazer o procedimento em um Pinscher de quase 18 anos. Mesmo com a indicação de vários profissionais, a tutora negava a eutanásia. Até que a situação chegou em um limite e ela optou por colocar o cachorrinho para “descansar”, como recorda o veterinário.

“A tutora disse que queria a eutanásia e só permitiria que eu a fizesse, pois segundo ela, fui o único que não indicou a eutanásia e havia proporcionado o conforto possível para ele. Ela optou por acompanhar e quando pedi autorização para aplicar os medicamentos, de forma serena e com um olhar acolhedor de uma senhora de mais de 80 anos (ela quem me acolheu) disse que sim. Na sequência, fazendo o carinho no pinscherzinho, disse para ele: ‘pode ir tranquilo, logo nos reencontramos’. Nunca vou esquecer este dia, esta cena”, recorda.