"Por que as folhas caem?". "Por que o sol queima se ele não é feito de fogo?". Para contar sobre a aprovação do jovem londrinense Willian Luiz dos Santos, 20, no concorrido curso de medicina da UFPR (Universidade Federal do Paraná), é importante voltar algumas páginas dessa história.

Willian Luiz dos Santos:  "Estou sempre lendo artigos científicos e eu espero, um dia, poder contribuir com pesquisas para o avanço de tratamentos"
Willian Luiz dos Santos: "Estou sempre lendo artigos científicos e eu espero, um dia, poder contribuir com pesquisas para o avanço de tratamentos" | Foto: Micaela Orikasa/Grupo Folha

A aprovação no vestibular 2020/2021 tem um valor especial para a família do estudante, que não imaginava que um sonho, que parecia estar muito distante, se tornaria realidade. Pai, mãe e os três filhos moram no jardim São Paulo, na zona norte de Londrina, e ouviram pela primeira vez o desejo do filho do meio em estudar medicina na saída do hospital, onde ele passou por duas cirurgias na região do abdômen.

"Pai, quero ser médico", lembra Valdir Luiz dos Santos das palavras do filho, ainda debilitado. "Achamos interessante, mas pensamos que era um entusiasmo dele naquele momento e falamos que ele teria um caminho muito longo pela frente".

Cinco anos depois, Santos deu o primeiro passo rumo a essa jornada de estudos, que deverá começar ainda neste ano, na capital paranaense. "Para nós foi um choque muito grande. Ele havia tentado a UEL e UEM também, mas não atingiu a pontuação necessária. Ao corrigirmos a prova da UFPR, não parecia que ele tinha tido um desempenho tão bom assim. É que a gente não sabia que as perguntas que ele acertou eram as de maior peso que, somadas à redação, colocou ele na lista dos aprovados", conta o pai.

O novo calouro da UFPR diz que nunca tinha visto o pai chorar de felicidade e que ele próprio demorou a entender o que estava acontecendo. No dia seguinte, Santos fez questão de voltar à escola que o acolheu para agradecer os professores. Na Escola Estadual Nilo Peçanha, que fica na Vila Nova (região central), o encontro foi emocionante entre a diretora Albina Kawano, que ajudou a família a encontrar uma vaga na escola, e a professora de Artes, Mirela Peixoto de Souza Luna. No vídeo gravado por sua mãe Adriana de Souza, o estudante é recebido com lágrimas e a lembrança da professora sobre o quanto Santos era um aluno questionador.

"Estou em êxtase, pois filho de uma empregada doméstica, tão estudioso, tão preocupado em me agradar e mostrar que ele realmente estava estudado enquanto eu trabalhava, é uma felicidade, um sonho", celebra a mãe.

Imagem ilustrativa da imagem Esperança e inspiração: conheça o londrinense que passou em medicina na UFPR
| Foto: Arquivo pessoal

'PERGUNTINHA'

Santos se diz tímido, mas nunca deixou de fazer perguntas sobre tudo o que lhe gera curiosidade. E sempre foram muitas perguntas. Tanto que no cursinho pré-vestibular ele ganhou o apelido carinhoso de 'Perguntinha'. "Eu sentava na frente do quadro e fazia perguntas, mas como muitos alunos tinham vergonha de fazer o mesmo, eu recebia post-its com as questões e lia em voz alta para o professor", conta.

Ao receber a equipe da FOLHA em casa, Santos foi bastante cordial e foi se soltando aos poucos. Durante a conversa, suas mãos iam dando formas às falas e a riqueza de vocabulário do jovem chama atenção. Santos buscava as palavras certas e respondia às perguntas com explicações. Aprendizado que ele atribui à física.

"Sempre gostei muito de fazer trabalhos de observação e a matemática e a física são uma paixão porque, através desse conhecimento, a gente consegue ter uma explicação racional dos acontecimentos do dia a dia, das coisas que me despertam curiosidade. Estou sempre lemdo artigos científicos e eu espero, um dia, poder contribuir com pesquisas para o avanço de tratamentos, por exemplo. Não precisa ser nada grandioso. Fazendo a diferença para algumas pessoas a partir do meu conhecimento, já vale a pena", afirma.

Os pais de Santos não tiveram a oportunidade de chegar ao ensino superior, mas dizem que nunca deixaram de apostar na educação dos filhos. "Os estudos são um ponto de virada na vida das pessoas. Ele sempre foi um menino que tirava notas 9 e 10 no boletim e isso nos chamava a atenção porque ele tem uma capacidade de memorizar, de se concentrar e raciocinar que surpreende", comenta o pai, que trabalha como vendedor.

"Sempre deixamos claro que não teríamos condições de pagar faculdade particular, mas que se ele passasse em medicina em uma universidade pública, a gente ia dar um jeito com as despesas do dia a dia. A gente só não imaginava que seria em Curitiba", brinca.

"Os estudos são um ponto de virada na vida das pessoas. Ele sempre foi um menino que tirava notas 9 e 10 no boletim e isso nos chamava a atenção", diz, orgulhoso, o pai Valdir Luiz dos Santos
"Os estudos são um ponto de virada na vida das pessoas. Ele sempre foi um menino que tirava notas 9 e 10 no boletim e isso nos chamava a atenção", diz, orgulhoso, o pai Valdir Luiz dos Santos | Foto: Micaela Orikasa - Grupo Folha

EXEMPLOS

E essa história de querer ser médico na saída do hospital? Santos responde que um médico o inspirou. Um não, dois. O primeiro foi quando o jovem conheceu a história de Ben Carson, no filme Mãos Talentosas (2009). "O filme conta a história de um dos mais respeitados neurocirurgiões no mundo. Ele é negro e conseguiu entrar em uma universidade, fazendo um trabalho incrível na cirurgia de separação de dois gêmeos siameses, unidos pela cabeça. No filme ele disse que o que o havia guiado eram os mistérios abarcados na mente humana. Não é demais?", diz, entusiasmado.

O segundo foi o médico que o acompanhou na segunda cirurgia. "Ele me inspirou de verdade. Eu sentia um atendimento, um olhar diferente nele. Algo humano mesmo. A gente conversou sobre muitas coisas além do meu problema de saúde, a ponto de eu sentir que era um amigo. Ele me ajudou a ter esperanças e a ficar mais tranquilo. Foi a partir desse contato que eu me vi com vontade de ser aquela imagem à minha frente, porque a medicina para mim é isso: esperança e inspiração", destaca.

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