Valdelice Pires Dourado:  “As pessoas só veem o lado ruim da escola, mas essa aproximação com a comunidade foi boa, porque os pais vão vendo como é o dia a dia, como a escola funciona"
Valdelice Pires Dourado: “As pessoas só veem o lado ruim da escola, mas essa aproximação com a comunidade foi boa, porque os pais vão vendo como é o dia a dia, como a escola funciona" | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Derrubar os muros e acolher a comunidade é um dos propósitos da Escola Municipal Zumbi dos Palmares, localizada no jardim União da Vitória, zona sul de Londrina. Em atividade há 22 anos em um dos bairros mais vulneráveis da cidade, os projetos aplicados desde 2015 trouxeram bons resultados na aproximação das famílias e redução da violência. Por conta disso, a escola foi convidada a apresentar seu projeto ao governo estadual da Bahia, que pretende integrar diversas práticas de boas relações como modelo a 21 municípios daquele Estado.

Projetos implantados na unidade escolar incluem abrir as portas  para a comunidade as sábados, visitas de professores no bairro, roda de conversa com pais e alunos
Projetos implantados na unidade escolar incluem abrir as portas para a comunidade as sábados, visitas de professores no bairro, roda de conversa com pais e alunos | Foto: Saulo Ohara - 17/03/2018

A diretora, Marlene Valadão, contribuiu contando a experiência da unidade ao promover projetos de integração da comunidade e mostrando os resultados. “Em 2015, nós assumimos a escola, que passava por um período de bastante violência e vandalismo, com destruição, falta de cuidado, violência entre alunos, alunos com professor", menciona.

O primeiro projeto implantado foi o Craque da Escola, com atividades extracurriculares aos sábados para levar a comunidade para dentro da escola em atividades com as crianças. “É um trabalho para toda a comunidade, independente se é aluno ou não, com jogos, brincadeiras, competições, campeonatos e temos um professor de educação física e um gestor cedidos pela secretaria municipal de Educação. As mães ajudam muito nesse dia, a gente serve merenda, entendendo que vindo para a escola no sábado, a gente tira essas crianças da rua, porque o bairro é bastante vulnerável”, comenta.

Valadão conta que a unidade chegou a ter atividades no contra-turno, com aulas integrais, mas que precisou absorver a demanda dos novos bairros que surgiram a partir de 2012 na região, como o jardim Crystal, que levou mais de 1.500 famílias que dependiam do atendimento do ensino fundamental na escola. Atualmente, a unidade possui 874 alunos, divididos em 40 turmas de Educação Infantil e Fundamental, distribuídas no turno matutino e vespertino, e três turmas do EJA (Educação para Jovens e Adultos), no período noturno.

Com tantos alunos na unidade, foi preciso pensar em estratégias que pudessem levar as famílias a entenderem que a escola pertence à comunidade e que era necessário uma aproximação. “Nós chamamos de escola acolhedora, lá na Bahia eles chamam de escola sem muros”, defende. O objetivo do governo baiano com o convite a escolas que tenham aplicado projetos de integração é que os relatos ajudem no desenvolvimento do seu plano de Educação Básica para 2021.

Valadão apresentou ainda a Semana da Família, com várias atividades de inclusão entre crianças e pais; a Roda de Conversa, uma assembleia de pais e outra de alunos, com espaço onde eles possam expor suas angústias e dificuldades de relação. “A gente percebeu que tinha que romper com o ciclo da violência. Havia muitos pais que contavam que tinham um avô, que batia na mãe, que batia nele e que hoje ele bate no filho. E essa criança descontava a raiva na escola”, aponta.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES

A escola também promoveu a terapia comunitária e atividades para formação de professores. “É importante que o professor conheça a comunidade. Nós fizemos visitas ao bairro para que o professor pudesse conhecer onde essas crianças moram, entender por que o caderno às vezes vem sujo, não que não vamos nos importar, mas compreender. Essa visita foi muito bacana, porque as famílias se aproximaram da escola”, aponta. Também há a formação de professores mensal, fora do horário de trabalho, de forma voluntária, para quem quer aprender sobre o ambiente e os motivos dessa violência.

“Nós colhemos muitos frutos, um deles é o cuidado da escola mesmo. Agora na pandemia estamos sem aulas e não temos uma coisa roubada, nem um vandalismo. Antes, tínhamos muito roubo, pichação, isso melhorou muito e hoje os moradores locais entendem que a escola é deles”, revela. ”Eu diria que a violência hoje é quase zero, não temos mais hoje aluno agredindo professor e nem professor agredindo aluno. Temos uma relação de paz”, acrescenta.

LINHA DE CONVERSA

Por conta da pandemia do novo coronavírus, as atividades presenciais da Escola Zumbi dos Palmares foram suspensas, mas segundo a diretor Marlene Valadão, a proximidade com a comunidade continuou. “A gente criou uma linha de conversa através do WhatsApp e acredito que a gente até se aproximou mais, porque ficou mais fácil para os pais mandarem mensagens do que virem até a escola”, afirma.

No início do mês de outubro, todos esses projetos serviram de exemplo ao governo da Bahia. “Eles vão ter agora uma segunda etapa para falar sobre gestão e competência, eu devo participar. A proposta é que eles viabilizem 21 municípios a aplicar esse trabalho de escolas sem muros, abertas à comunidade”, explica. “O que é fundamental em todo lugar. Aqui nós temos uma comunidade muito carente, famílias desempregadas ou no subemprego, temos que mostrar para os alunos que estudar é fundamental, só assim vão ter um futuro, um bom emprego e não é porque vivem em um bairro carente, que não podem sonhar em almejar uma universidade. As oportunidades estão aí e eles podem ter”, defende.

APROXIMAÇÃO QUE TRANSFORMA

Há sete anos, a família de cinco pessoas de Valdelice Pires Dourado, 45, mudou para o jardim Crystal, na zona sul de Londrina. Passando por momentos difíceis, a mãe de três filhos entrou em depressão e mal imaginava que a sua transformação viesse da Escola Municipal Zumbi dos Palmares, onde os dois filhos mais novos, uma de 11 e outro de 9, estavam matriculados.

Valdelice Pires Dourado:  “As pessoas só veem o lado ruim da escola, mas essa aproximação com a comunidade foi boa, porque os pais vão vendo como é o dia a dia, como a escola funciona"
Valdelice Pires Dourado: “As pessoas só veem o lado ruim da escola, mas essa aproximação com a comunidade foi boa, porque os pais vão vendo como é o dia a dia, como a escola funciona" | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“A diretora falou que ia ter uma reunião entre os pais e me chamou. Eu quis participar para conversar, a gente às vezes precisa desabafar, gostei muito e eu fui me envolvendo em outros projetos da escola”, menciona a dona de casa.

Dourado se tornou voluntária, participando da rotina da escola. “Eu ajudava com as crianças dentro da sala de aula, no recreio, ia todos os dias e ficava com eles dentro da sala, quando o professor precisava sair ou no pátio”, conta. O que para ela foi um processo de transformação, pois as atividades tornaram-se terapia.

A atuação foi aumentando e a mãe passou a participar de todas as atividades que envolviam a comunidade, o que para ela foi fundamental até para que os moradores locais entendessem o sistema educacional. “As pessoas só veem o lado ruim da escola, mas essa aproximação foi boa, porque os pais vão vendo como é o dia a dia, como a escola funciona, então foi muito boa essa parceria”, afirma.

A voluntária passou a ser membro do Conselho Escolar em que hoje atua como presidente e tesoureira. Para ela, essa aproximação entre comunidade e escola só teve a agregar, não só para si, mas em toda a relação comunitária. “Antes as crianças bagunçavam muito, tinha muito vandalismo, a partir desse acompanhamento entre pais e crianças parou a violência e os alunos agora respeitam muito”, defende.