“Sobrevivemos a uma pandemia (de Covid-19) nesse endereço, mas infelizmente não sobrevivemos a essa obra”. O desabafo é de Eliane Roza, gerente de uma papelaria na avenida Rio Branco, na área central de Londrina, a poucos metros do cruzamento com a avenida Leste-Oeste, onde desde janeiro de 2020 está sendo construída uma trincheira. A empresa fechará as portas no lugar no próximo dia dez após três anos de funcionamento. O aviso, inclusive, já foi colocado na porta e a estrutura interna está sendo desmontada.

A alegação para a medida drástica foi a queda de 70% dos clientes nos últimos meses por conta dos transtornos gerados pela obra. Nem o período de início de ano letivo alavancou as vendas. “Viemos tentando de várias formas (manter), tirando recursos de outros lugares, mas não tivemos sucesso. Reduzimos alguns itens, mudamos estratégias, porém, a única solução neste momento foi fechar a loja. É muito triste, temos funcionários que não teremos como remanejar”, lamentou. A papelaria manterá as lojas da avenida Tiradentes, na zona oeste, e em Cambé (Região Metropolitana de Londrina).

LEIA TAMBÉM: Trecho da avenida Juvenal Pietraroia começa a ser duplicada

Este é o segundo comércio que anuncia o fim das atividades em menos de uma semana justificando problemas com a construção da trincheira, que deveria ter ficado pronta em janeiro deste ano, entretanto, a prefeitura autorizou aditivo de seis meses, prazo que a empresa responsável já avisou que não conseguirá cumprir. A empreiteira precisará de, no mínimo, mais três meses, como informou em reunião com representantes do município.

A proprietária de uma oficina mecânica localizada na Leste-Oeste, bem em frente à obra, relatou que o estabelecimento ficou praticamente ilhado, impedido a chegada de clientes. “O fluxo de veículos está praticamente zero. Isso gerou comprometimento do faturamento da empresa e, infelizmente, não tivemos outra opção a não ser fechar as portas. Tivemos alguns meses que a média de clientes caiu 60%, até 70%. Eles abrem e fecham o trânsito toda hora, tinha momento que fechava a rua e não havia circulação de carros, o que é vital para nós”, relatou Renata Cazado.

DESEMPREGO

Nesta semana, um comércio de frutas na Rio Branco, esquina com a rua Porto Alegre, publicou nas redes sociais que vai fechar a unidade no endereço e vai levar para outra localidade, no centro, o que deve demorar cerca de três meses. “Precisamos demitir algumas pessoas que trabalhavam conosco, porque não conseguimos remanejar todas para as outras lojas que temos. Esse período de mudança também é demorado, porque temos que desmontar essa estrutura e levar para outro lugar. O que posso dizer é que é muito triste”, definiu Antônio Pimenta, que é o gerente da loja.

IMPACTO GRADATIVO

De acordo com Pimenta, o impacto no entorno foi sentido pouco a pouco, chegando no ápice nos últimos meses, com novas interdições e desvios. “Um dia eles fecham um ponto, outro dia outro, é poeira, quando chove tem barro e os clientes ficam sem conseguir vir. Gostamos daqui, angariamos muitos clientes, mas não conseguimos ficar por conta da obra, que não sabemos quando vai terminar.”

Construção começou em janeiro de 2020 e está com pouco mais de 50% de execução
Construção começou em janeiro de 2020 e está com pouco mais de 50% de execução | Foto: Pedro Marconi

Acompanhando de perto a evolução dos trabalhos, os comerciantes afirmaram que poucos operários e maquinário são vistos. “Qualquer pessoa pode passar ali e contar a quantidade de pessoas (trabalhando). Sempre foi muito pouco, jamais ultrapassou o limite de 20 por dia”, contou Renata Cazado. “Lutamos muito por um espaço, para gerar empregos, mas a sensação que fica é que faltou planejamento para a obra, já que impactou todo o comércio local”, acrescentou.

SEM RESPOSTA

A reportagem procurou o Núcleo de Comunicação da Prefeitura de Londrina, entretanto, o pedido de posicionamento sobre as reclamações dos empresários foi solenemente ignorado. Na semana passada, o prefeito Marcelo Belinati foi questionado durante entrevista coletiva sobre o efeito da obra da trincheira na região. “É importante que as pessoas entendam que não é uma obra igual à do viaduto da rodoviária, em que se vê. A obra (da trincheira) está para baixo da terra. Já ultrapassou 50% dos serviços e estão acelerando para entregar este ano. Infelizmente gera problemas. A equipe tem conversado com eles (empresários) e temos procurado amenizar dentro do possível”, destacou.

‘NÃO VEIO NINGUÉM’

No entanto, os comerciantes ouvidos pela FOLHA foram categóricos em garantir que nunca foram abordados por representantes da empresa ou da prefeitura. “Sou gerente da loja e, no caso, teriam que me procurar para conversar. Posso afirmar, sem sombra de dúvidas, que não veio ninguém”, declarou Antônio Pimenta. “Os impostos estão chegando, temos que pagar em dia, mas não tivemos nenhum respaldo. É uma obra que vai melhorar, trazer mais qualidade de vida, mas até isso acontecer, o que vamos fazer?”, questionou Eliane Roza.

Prefeitura libera subcontratação de mão de obra

A prefeitura autorizou a TCE Engenharia, que tem sede em Curitiba, a subcontratar mão de obra para execução de parte da cortina de contenção atirantada da obra da trincheira no cruzamento da avenida Leste-Oeste com a Rio Branco. Uma empreiteira que tem sede em Londrina é quem vai fazer este serviço. “(O trabalho) deve ser acompanhado com rigor do cumprimentos das obrigações trabalhistas, atendimento às normas de segurança do trabalho e boas práticas de engenharia pela terceira”, alertou a secretaria municipal de Obras e Pavimentação.

Na avaliação da pasta, o item a ser terceirizado não foi considerado objeto principal da obra e apresenta saldo na planilha inicial de R$ 1,1 milhão, representando apenas 4,67% do valor do contrato, o que não supera o limite estabelecido por lei municipal para subcontratação, que é de 30%.

A trincheira tem custo de R$ 34,2 milhões. A medição de março apontou que a obra está com 51,25% de execução, faltando quatro meses para a data oficial de inauguração, levando em conta o aditivo de prazo que foi liberado.

****

Receba nossas notícias direto no seu celular! Envie também suas fotos para a seção 'A cidade fala'. Adicione o WhatsApp da FOLHA por meio do número (43) 99869-0068 ou pelo link wa.me/message/6WMTNSJARGMLL1.