Arthur Ferreira da Silva, 11 anos, venceu a distância, o preconceito e a falta de recursos: “Quero ser bailarino de uma grande companhia”
Arthur Ferreira da Silva, 11 anos, venceu a distância, o preconceito e a falta de recursos: “Quero ser bailarino de uma grande companhia” | Foto: Divulgação

Minutos depois do almoço, mãe e filho colocam os pertences na mochila e caminham até a beira da estrada para pedirem carona. Nem os 19 km que separam São Pedro do Paraná da cidade de Loanda (Noroeste), nem o preconceito ou a falta de recursos impediram que Arthur Ferreira da Silva, 11, alcançasse um dos patamares mais altos da dança no Brasil. No último domingo (20), seu nome saiu na lista de aprovados na seleção nacional para a Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, de Joinville (SC). Aproximadamente 800 crianças passaram pela cidade catarinense em busca do sonho, 47 foram aprovadas, duas são do Paraná - Luna Fedrigo Ferronato, 11, de Pranchita, é outra selecionada.

De 2010 para 2019, São Pedro do Paraná caiu de 2.491 habitantes (último Censo) para 2.313 (população estimada para 2019), segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia Estatística). Quando o Censo recolheu as últimas informações, Arthur tinha apenas dois anos, mas na próxima contagem ele não vai participar. No ano que vem, pretende partir com mãe e irmão para Joinville para a sua formação como bailarino. “Eu quero ver se eu consigo ir morar lá e sair um bailarino formado, porque eu pretendo seguir carreira”, vislumbra.

A fala de incerteza não vem da ausência de desejo, mas do reconhecimento das dificuldades que já vem enfrentando. A primeira delas é a da própria escolha. “Até hoje ele sofre preconceito na escola, mas ele passa por cima disso. Ele descobriu que uma amiga fazia balé e chegou em casa falando que queria. Eu nunca fui contra, sempre quis que ele fizesse alguma coisa, nunca gostou de luta e futebol, estava sem fazer nada esportivo, então fui ver como conseguiria isso”, conta a mãe, Bernadete Ferreira, 43.

Mas em uma cidade de menos de três mil habitantes, como encontrar uma escola de balé? Na vizinha Porto Rico, o projeto social Mais Dança oferecia uma hora de aula gratuita por semana. “Ele faz aulas lá comigo há três anos, iniciamos no projeto social, mas como eu reconheci o desejo e sonho dele de ser um bailarino, decidimos levá-lo para a primeira fase da audição, em Maringá, com preparação diária na escola particular em Loanda”, afirma a professora, Andiara Moraes, da Dessus Ballet. Desde março deste ano, ele tenta melhorar o desempenho com a bolsa oferecida pela escola.

O apoio foi fundamental, mas o menino não tinha como chegar até a cidade. “A gente vai para a estrada onde era um ponto de ônibus, pede carona e vê quem aparece para ajudar, porque a gente até estava conseguindo pagar as caronas, mas ficou muita coisa para acompanhar, eu sou sozinha para criar ele, então eu tive que pedir a licença que eu tinha direito no trabalho para buscar patrocínio, fazer rifa e levá-lo nas aulas. A gente paga ajuda de combustível à noite para voltar, porque nessa hora não tem carona”, afirma a mãe, que é auxiliar de serviços gerais no município.

SELEÇÃO

Arthur passou na primeira fase da audição em Maringá e foi selecionado para a fase nacional, em Joinville. “A coordenadora do projeto social me orientou e nós fizemos rifas para os pais, eu saí distribuindo e pedindo para as pessoas ajudarem a vender, saí de porta em porta pedindo doações para os itens da cesta que seria rifada, foi como a gente pagou as hospedagens”, comenta a mãe, acrescentando que teve ajuda de amigos, comerciantes e da prefeitura de São Pedro do Paraná para passagens e alimentação.

Em Santa Catarina, foram três dias de avaliação na companhia da mãe, do irmão, da professora e de colega de turma também selecionada para a fase nacional. “Foi uma tensão muito grande, porque falaram que ele poderia ser dispensado a qualquer momento e isso seria uma grande decepção para ele. Fiquei muito tensa, sofri, uma experiência sem tamanho saber que seu filho está fazendo uma prova nacional, não sei explicar”, comenta Bernadete.

No domingo, saiu o resultado. “A coordenadora conseguiu ver, mandou mensagem e me ligou. Foi emoção, é emoção até agora. Foi uma gritaria, todo mundo de boca aberta e foi maravilhoso. Um sonho e ainda não dá para acreditar”, afirma a mãe. Para o menino, é a oportunidade de tornar real o sonho que ele sempre buscou. “Quero ser bailarino de uma grande companhia”, comenta Arthur.

Apesar de recente a informação, o menino se mantém compenetrado nos objetivos. “Estou bastante ansioso, continuo fazendo aula aqui até começarem as aulas lá, não pretendo parar”, afirma. Orientação que vem da professora. “Conversei com a mãe para continuar fazendo as aulas diárias, porque o ritmo lá é bem intenso”, revela Moraes com gratidão e orgulho.

Agora, ficam as decisões para dar continuidade ao sonho. “Meu filho falou que se ele tivesse entrando para a seleção seria para valer, porque ele não ia nadar para morrer na praia. Eu também não quero isso. Eu vou trabalhar e vou fazer o possível para arrumar casa lá, estou disposta a largar tudo, pegar meus dois meninos e ir embora. Seja o que Deus quiser”, afirma Bernadete. “Para mim é um orgulho, ele está fazendo o que ele gosta e crescendo. Eu procuro dar todo o apoio do mundo para esses dois, sendo o caminho certo, que construa alguma coisa para a vida dele, eu apoio. Enquanto eu tiver vida e saúde para apoiar, eu vou apoiar”, emociona-se.

'DEI O MEU MÁXIMO'

Luna Fedrigo Ferronato: “Foi incrível, eu nunca tinha saído para fazer uma seletiva tão grande e eu amei"
Luna Fedrigo Ferronato: “Foi incrível, eu nunca tinha saído para fazer uma seletiva tão grande e eu amei" | Foto: Divulgação

Os pais não podiam entrar no local da avaliação de seleção da turma 2020 da Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, de Joinville (SC). Do lado de fora eles só ouviam o tocar do piano. Sob nervosismo, Franciele Fedrigo Ferronato, 42, aguardava notícias da filha, que dança balé clássico há quatro anos. No domingo (20), ela e o marido receberam a notícia de que Luna Fedrigo Ferronato, 11, era uma das aprovadas.

A família vive na cidade de Pranchita (Sudoeste), mas as aulas eram na vizinha Santo Antônio do Sudoeste, a 3 km dali. “É muito pertinho, então levava ela lá duas vezes por semana. Começou como uma atividade extracurricular, nunca exigi nada, nem fiz pressão, tudo foi muito natural. Não que fosse um sonho, mas a coisa foi crescendo, evoluindo, a escola também foi crescendo”, explica a comerciante. A menina confirma. “Eu já gostava de dançar, então a hora que teve a oportunidade de fazer, eu adorei, mas como um hobby mesmo”, comenta Luna.

Com a vinda da pré-seleção para a cidade de Dois Vizinhos, a situação mudou de figura. A professora Tainara Oliveira, da ABBA Centro de Artes, decidiu levar alguns alunos da escola para participar das audições, sugestão que a mãe levou adiante. “Era uma oportunidade muito interessante, como uma experiência mesmo, não que a gente achasse que já fosse passar, mas ela foi selecionada”, afirma. Na convocação para a seleção nacional, Franciele apenas orientou que a filha fizesse o que sabia, nem menos, nem mais. “Eu não tive nenhuma preparação especial, quando cheguei na seletiva eu só dei o meu máximo”, conta a menina.

No caminho de retorno para casa, receberam a notícia de aprovação. “É um choque, a gente fica: ‘meu Deus, e agora?’ Não cai a ficha, a gente fica meio extasiada, é tudo tão maravilhoso, a gente só sabe que está muito feliz”, afirma a mãe. Até fevereiro, a família precisa decidir como será a logística para incentivar o talento da filha. “Eu vou com ela, a gente vai fazer um esforço, não sabe como ainda, porque mexe com tudo, a gente tem uma vida aqui, ela vai sair de lá com 18 ou 19 anos, é uma vida de sacrifícios, mas não podemos deixar passar essa oportunidade”, avalia a comerciante que ainda se pega surpresa com a informação.

Para a menina, só a participação na seleção foi um olhar diferente para a carreira que ela começou de maneira natural, a pretensão é que continue assim. “Foi incrível, eu nunca tinha saído para fazer uma seletiva tão grande e eu amei. Agora quero entrar, me encaixar lá, terminar os oito anos para me tornar professora com o conhecimento do Bolshoi, isso vai ser muito bom”, deseja.

BENEFÍCIOS

Os 47 aprovados serão bolsistas e ingressam no Curso de Dança Clássica, com duração de até oito anos. Além de ensino gratuito, oferecido pelos Amigos do Bolshoi, os bolsistas recebem benefícios como alimentação, transporte, uniformes, figurinos, assistência social, orientação pedagógica, assistência odontológica preventiva, atendimento fisioterápico, nutricional e assistência médica de emergência/urgência pré-hospitalar.