A administração dos contratos do Sistema Financeiro da Habitação (SFH) tem sido distorcida por alguns agentes financeiros, inflando o saldo devedor e tornando as dívidas impagáveis em alguns casos. A afirmação é do advogado Orlando Anzoategui Jr. que já encaminhou à Justiça mais de 600 ações pedindo a revisão do valor do saldo devedor, a maioria bem sucedida, segundo ele. Em um dos casos (ver box), o saldo devedor caiu de R$ 17.200,00 para zero.
Segundo Anzoategui, as principais causas das distorções no saldo devedor são a correção de 84,32% aplicada aos contratos em março de 1990, a aplicação de juros compostos sobre a dívida, a amortização incorreta dos valores pagos pelo mutuário e o superfaturamento da obra pela construtora. ‘‘Cada caso tem sua particularidade e precisa ser analisado individualmente’’, diz.
‘‘O mutuário tem que fazer a revisão do contrato desde que foi assinado e não apenas até um ano atrás, como os agentes financeiros prometem fazer’’, recomenda Anzoategui. ‘‘Como os contratos são de longo prazo, o valor que se paga por um erro é grande, pois se multiplica por até 240 prestações’’, constata ele.
‘Roubo’ Anzoategui classifica de ‘‘roubo oficializado’’ a correção de 84,32% aplicada ao saldo devedor do SFH em março de 1990, na época do Plano Collor 1. Segundo ele, a correção deveria ter sido de 41,34%, a mesma aplicada aos saldos de cadernetas de poupança naquele mês.
Segundo o advogado, também no Plano Real os bancos aplicaram taxas e encargos abusivos sobre os valores dos contratos do SFH. ‘‘No tempo da inflação alta reajustes de 10% passavam despercebidos. Com a inflação baixa eles são detectados facilmente’’. Outra irregularidade comum, diz, são as taxas de seguros vinculadas ao salário do mutuário.
Anzoategui explica que só a eliminação da cobrança de juros compostos é suficiente para reduzir de 10% a 15% o valor do saldo devedor. Segundo ele, a aplicação de juros deve ocorrer unicamente sobre o valor inicial da dívida, e não com juros sobre juros como têm feito alguns agentes financeiros. Outro problema é que alguns bancos não fazem a devida amortização das prestações pagas.
Índice A utilização da Taxa Referencial de Juros (TR) para corrigir os saldos devedores também tem prejudicado os mutuários. Anzoategui recomenda que se peça na Justiça a substituição desta pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). ‘‘O mutuário precisa de um índice que guarde relação com os salários em geral, se não fica impossível liquidar o contrato ao seu final. A TR é uma taxa de juro e é manipulada pelo governo ao sabor da política econômica, enquanto o INPC é atrelado ao índice de inflação’’, explica.
O superfaturamento das construções é outra causa de distorções nos contratos do SFH. Segundo Anzoategui, em muitos casos as moradias são construídas em padrão inferior ao previsto inicialmente. Nestes casos, o mutuário paga até 30% mais do que deveria, percentual equivalente à economia obtida pela construtora com a redução de áreas de lazer e utilização de acabamento de padrão inferior, por exemplo.
Segundo o advogado, a Justiça demora cerca de um ano para se pronunciar sobre ações deste tipo. Como o agente financeiro normalmente recorre da sentença favorável ao mutuário, a decisão final pode demorar até três anos.