Desinformação e preconceito ampliam desafios dos autistas
São comuns relatos de pais que são criticados ou passam por situações constrangedoras por causa do comportamento da criança com o transtorno
PUBLICAÇÃO
terça-feira, 17 de novembro de 2020
São comuns relatos de pais que são criticados ou passam por situações constrangedoras por causa do comportamento da criança com o transtorno
Laís Taine - Grupo Folha
Theodoro, 5, tem sensibilidade auditiva, uma das características que o acompanha no diagnóstico do autismo, confirmado antes dos três anos de idade. Quando algum vizinho liga a furadeira, sem aviso, a rotina daquela família muda por dias. O TEA (Transtorno do Espectro Autista) exige atenção em muitos aspectos, mas combater a desinformação e preconceito é um dos principais desafios.
Pela questão da audição, a mãe, Joice Bozzi, 39, fez um pedido aos moradores do condomínio para que avisassem quando fossem executar alguma obra no apartamento, assim, ela teria tempo de sair de casa com o filho e amenizar o problema. “Já fui ameaçada, porque o morador não queria que eu fosse perguntar o horário que iria fazer o barulho, que estava no direito dele e eu estava incomodando”, revela a mãe. “Quando tem barulho de furadeira, meu filho pergunta a semana inteira se já pararam de usar”, conta.
Para ela, esses conflitos em condomínio seriam amenizados se houvesse mais informações dos moradores e também dos síndicos. “Quando eu peço, as pessoas não acreditam que ele pode ter uma necessidade especial, porque não está visível”, argumenta.
PRECONCEITO VELADO
Não só na vizinhança, Bozzi conta que a desinformação, desrespeito e preconceito permeiam ambientes coletivos. “Na escola, por ele receber avisos na caderneta sobre o comportamento dele, em decorrência do autismo, algumas mães achavam que as professoras estavam dando mais atenção para ele do que para outras crianças”, aponta.
Até na família houve preconceito velado. “No começo, eu ouvi: ‘não quero que você fale que o menino tenha isso’, mas o Theodoro está dentro do espectro autista”, comenta. De acordo com a mãe, a falta de acolhimento vem pela desinformação. “A maior dificuldade é explicar para as pessoas sobre aquilo que elas não veem e duvidam. Acham que é frescura, que a mãe não educa, acho isso difícil, já é um transtorno complicado de lidar e pior ainda não ser acolhida”, menciona.
ORIGEM GENÉTICA
Felipe Tardem, psicólogo e diretor supervisor do Grupo Contingência (grupo de intervenção com base em análise do comportamento aplicada ao autismo), aponta que, apesar do aumento da divulgação e apelo por conscientização, o autismo ainda é pouco conhecido, o que aumenta o preconceito. “Como não é algo de aparência sindrômica, as pessoas não sabem identificar que aquela pessoa tem TEA e, muitas vezes, acham que se trata de uma criança birrenta, mal educada, que os pais não educaram”, afirma.
O autismo é um transtorno do desenvolvimento neurológico, com características de dificuldades de comunicação e interação social e presença de comportamentos e/ou interesses repetitivos ou restritos. “Ainda hoje não temos todas as respostas da ciência, o que a gente já sabe é que tem uma forte origem genética. Já sabemos que não é falta de estimulação dos pais, isso não é verdade, as pesquisas cada vez mais apontam para uma base biológica do transtorno”, explica o psicólogo.
Também não é seguro identificar padrões sem passar por especialistas, pois o autismo se desenvolve de forma distinta em cada pessoa. “As manifestações são bem diferentes, nenhum autista é igual ao outro, cada pessoa é única e as manifestações do transtorno são diferentes”, aponta. Assim, só a conscientização da população para ajudar essas a famílias a enfrentarem menos obstáculos no dia a dia.
OLHOS DA ALMA
“A exclusão que as pessoas fazem com essas famílias é até mais difícil que o diagnóstico dessas crianças, então, a ajuda vem da conscientização, buscar saber mais sobre o assunto, não julgar, ter mais informação”, afirma Tardem. No caso de ter algum familiar e pessoa próxima com diagnóstico, o ideal é se colocar à disposição. “A melhor forma é perguntar o que podem fazer, trabalhar a inclusão, como podem convidar, o que fazer e conversar, manter perto”, ensina.
Para a mãe do Theodoro, seria mais simples para as famílias de autistas se houvesse compreensão e empatia. “A sociedade precisa aprender a enxergar o invisível, nem tudo que a gente vê é aquilo que se apresenta. A gente precisa olhar o outro com os olhos da alma, que possa atingir a empatia, o mandamento bíblico de amor ao próximo. Eu acho que é isso que falta”, desabafa.