Réplicas das cabines inglesas foram retiradas: deterioração e vandalismo
Réplicas das cabines inglesas foram retiradas: deterioração e vandalismo | Foto: Pedro Marconi - Grupo Folha

Em menos de uma semana, as regiões Norte e Norte Pioneiro do Paraná tiveram que lidar com as notícias de dano ao patrimônio público. Alguns, de valores inestimáveis, carregavam a memória dos paranaenses. No entanto, casos de depredação de bens coletivos são frequentes nos meios urbanos. Especialistas comentam sobre comportamento e coletividade.

No último sábado (7), a Ponte Pênsil Alves Lima, que liga as cidades de Ribeirão Claro (Norte Pioneiro) e Chavantes, em São Paulo, foi destruída por um incêndio que a polícia suspeita ter sido criminoso. A estrutura de madeira foi inaugurada em 1920 e é tombada pelo Patrimônio Histórico do Paraná e de São Paulo.

Na terça-feira (10), réplicas das cabines inglesas de Londrina foram retiradas após a empresa responsável relatar deterioração por atos de vandalismo. As cabines têm valor afetivo para os londrinenses e estampam fotografias dos turistas. No dia seguinte, administradores do Museu Histórico da Imigração e Colonização Japonesa do Paraná relatou o furto da "Estátua dos Imigrantes", em Rolândia (Região Metropolitana de Londrina). A escultura de bronze foi colocada em 1978 e visitada por diversos membros da família imperial do Japão.

Escultura em bronze do Museu da Imigração Japonesa, instalada em 1978, foi levada nesta semana
Escultura em bronze do Museu da Imigração Japonesa, instalada em 1978, foi levada nesta semana | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Apesar de a destruição de bens públicos serem frequentes, nessas três situações há o agravante do descaso com o que as estruturas representavam para a sociedade. Enquanto uns ainda lamentavam a perda de uma estrutura de valor histórico, outros destruíam o patrimônio em outra região.

Para o professor de filosofia e ética da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), Lino Batista de Oliveira, a diferença de sentimento perante esses bens está relacionada à noção de coletividade e que os comportamentos são avaliados (como bons ou maus) seguindo valores estabelecidos. “O objetivo é justamente buscar o máximo possível a boa convivência, onde eu tenha a minha liberdade como indivíduo respeitada e que essa liberdade tem certo limite, que é a vivência em coletividade”, explica.

SEM JUSTIFICATIVA

O major Nelson Villa Junior, comandante do 5° BPM (Batalhão de Polícia Militar de Londrina), conta que quando o policial é chamado pelo 190 ou faz o flagrante da depredação durante o patrulhamento os indivíduos justificam. “Quando existe furto de fios, por exemplo, eles alegam que são usuários de droga, que pegam os fios para repassar para alguém e não falam quem é o receptador. As pessoas que depredam por depredar geralmente não têm justificativa, nem eles sabem por que fizeram isso”, menciona.

De acordo com o professor de filosofia, uma pessoa só pode ser acusada de imoral quando tem a consciência do que está fazendo. “É preciso que a própria sociedade tenha me ensinado que aquilo tem um valor, senão para mim é só mais uma estátua. Como não tem certo valor, meu grau de respeito fica completamente diminuído”, comenta. Por isso, defende a educação como um dos caminhos para essa compreensão.

Outro ponto é a falta de noção de sociabilidade. “Em um mundo voltado para o individualismo como o nosso, falta noção de sociedade, de entender que aquele monumento não é uma coisa privada, não é uma coisa minha, é algo que diz respeito à sociedade”, acrescenta.

Réplicas das cabines inglesas foram retiradas: deterioração e vandalismo
Réplicas das cabines inglesas foram retiradas: deterioração e vandalismo | Foto: Pedro Marconi - Grupo Folha

CULTURA INDIVIDUALISTA

Ponto concordante entre a psicóloga e analista junguiana Sônia Lunardon Vaz. “Nós temos uma cultura muito mais individualista do que coletiva, o que é uma pena. Muitas vezes as pessoas estacionam e pegam duas vagas, pega a cabine do telefone público e acaba com ela, afinal de contas, essa pessoa não tem percepção coletiva de que alguém vai precisar desse telefone”, argumenta. “O medo de parecer trouxa pegando um lixo que o outro jogou na rua está nos deixando individualista”, acrescenta.

Apesar de defender que a consciência coletiva pode e deve ser aprendida na família, na escola e no dia a dia, ela destaca o ambiente externo não é o único responsável pelo comportamento dessas pessoas. Caso assim fosse, irmãos gêmeos, que convivem na mesma família e estudam na mesma escola, vivem na mesma casa e bairro, não teriam comportamentos diferentes.

No caso de pessoas que praticam ações contra a sociedade, menciona que é preciso ir mais afundo para compreender as questões do indivíduo. “Existe um ambiente interno que propicia isso, existe algo no sujeito que faz com que ele se identifique mais com a destrutividade do que com a construtividade”, afirma.

ÉTICA

Para ela, a violência, a agressividade criminosa ou não, praticada por pessoas que depredam bens públicos é um fenômeno social que extrapola fronteiras, mas que está atrelado a ferimentos psicológicos individuais que são negligenciados. “Nós não estamos nos debruçando para conhecer e dar contingência para isso. Isso está se aprofundando e vai piorar”, aponta. Para ela, é preciso uma política de saúde mental, com psicoterapia na saúde básica.

Para o professor de filosofia, os casos de depredação e dano ao bem público esbarram na questão da vivência em sociedade. “A ética faz o indivíduo refletir do quanto ele tem que abrir mão do seu valor individual para que os valores coletivos sejam respeitados. Isso faz com que a gente encontre uma sociedade do bom conviver.” E a falta do respeito à memória e aos patrimônios históricos é só uma das consequências que o fenômeno social da falta de coletividade representa.