Quando a prefeitura divulgou na semana passada que Londrina havia atingido 72 óbitos ocasionados pelo coronavírus, a cidade ultrapassou outra marca. O número de moradores que perderam a vida por causa da Covid-19 em três meses é maior que os registros de acidentes de trânsito de todo o ano passado (71), segundo dados da CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização). Em cinco dias foram mais óbitos e agora são 83 famílias que choram a história interrompida dos seus entes queridos, segundo boletim de quinta-feira (2), da prefeitura.

Imagem ilustrativa da imagem Coronavírus mata mais que trânsito, dengue e homicídios em Londrina
| Foto: Isaac Fontana-FramePhoto- Folhapress

As mortes pela Covid-19 no município vêm superando outras estatísticas que são computadas pelo poder público e chamam atenção. De janeiro até 18 de junho, a epidemia de dengue matou 27 pessoas em Londrina, em meio a um universo com mais de 19.300 casos em 2020. Sete estão em investigação. As mortes violentas contabilizadas ao longo do ano passado também são menores que as provocadas pelo vírus, com 57. No primeiro trimestre deste ano foram 28 homicídios.

DEFESA MENTAL

Mesmo num período de pandemia - que é a disseminação mundial de uma nova doença - e de um vírus altamente contagioso, ainda são comuns discursos negacionistas ou que buscam desqualificar a gravidade do problema. “A negação é um mecanismo de defesa mental. A pessoa nega a realidade porque ela traz doses de frustração e necessidade de responsabilidade. Quando vemos um dado que exige uma mudança de empenho para fazer algo diferente, troca-se a realidade na mente por outro cenário, em que só acontece aquilo que o indivíduo deseja”, explica o psicanalista Sylvio do Amaral Schreiner, de Londrina.

Apesar de muito presente na atualidade, a negação de fatos não é uma novidade no comportamento humano. “Sempre existiu. Na época do geocentrismo, Nicolau Copérnico disse que o sol estava no centro do sistema solar e duvidaram dele. Só porque tirou a importância da centralidade da Terra e mostrou que era mais um planeta que como outros orbitava, claro, tendo suas características especiais. Charles Darwin, com a teoria da evolução, gerou um negacionismo muito grande e até hoje”, cita o especialista.

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| Foto: Folha Arte

SEM ACHISMOS

Também é presente na atual conjuntura posições que contrariam informações científicas e oficiais repassadas por órgãos públicos e instituições, classificando estatísticas e pesquisas como “mentirosas”, “tendenciosas” e com “viés político”. Para quem convive de perto com o sofrimento que o coronavírus provoca, e todos os dias, a ciência e o embasamento técnico têm muito valor e são apontados como o norte para vencer à doença

“Temos que nos apoiar na ciência e não em achismos. O Brasil veio depois na Covid-19 e temos que usar o que aconteceu em outros locais para repetir os acertos e evitar os erros. É uma doença nova e o que deu certo para países conseguirem diminuir casos foram as medidas de isolamento social e contenção. É que sabemos que funciona”, frisa o médico infectologista Walton Luiz Del Tedesco Júnior, que atua na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) do HU (Hospital Universitário), referência no tratamento de casos de coronavírus.

IDADE

A maioria das mortes pelo Sars-CoV-2 em Londrina está concentrada na faixa etária de 70 a 79 anos (29%), porém, existem registros de pessoas com menos de 50 anos que faleceram. “A taxa de mortalidade para menores de 30 anos é em torno de 0,2%, enquanto que para maiores de 80 anos varia de 15% a 20%. Mas também morre gente jovem e mesmo que não faleçam são potenciais vetores para transmitir a alguém que pode ter a manifestação da doença de uma forma mais grave”, explica o médico.

Quase a totalidade dos casos em que os pacientes foram a óbito possuía doenças pré-existentes, o que potencializa a fragilização do estado de saúde. “É uma doença em que a idade e algumas comorbidades, como diabetes, problemas cardíacos e obesidade, são fatores para progressão”, pontua Tedesco, que é membro da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar da Santa Casa.

Vacinas para a Covid-19 ainda estão em fase de teste e poderão estar disponíveis em 2021. O único medicamento com eficácia comprovada é a dexametasona, mas somente para pessoas internadas e que necessitam de oxigênio. No geral, a estratégia que tem sido adotada é o controle dos sintomas enquanto o próprio corpo vai se curando da infecção.

PERSPECTIVA

De acordo com o infectologista, é extremamente necessário manter as medidas de cuidado e de maneira correta. “Ainda não chegamos ao pico e tende a piorar. Nas últimas semanas aumentou bastante o número de casos. O sistema de saúde não está lotado, porém, isso é um motivo a mais para seguir as medidas de proteção, para que todos tenham condição de serem atendidos, porque a pandemia vai continuar bastante tempo. A Covid-19 mata aos poucos e demanda longo tempo de internação e UTI. Por isso se fala em achatar a curva, com menos casos e por um período maior”

QUEDA DE MÁSCARAS

Apesar dos sentimentos aflorados neste período de pandemia de coronavírus, o psicanalista Sylvio do Amaral Schreiner, de Londrina, ressalta que posturas que vão contra a coletividade e não apresentam empatia podem demonstrar traços de personalidade que a pessoa sempre teve. “Num momento de crise vemos como as pessoas realmente são. Não acredito que a pandemia cria este descaso que estamos vivendo. Ele sempre existiu, mas agora fica mais evidente. Estão faltando relações humanas de qualidade.”

O especialista ainda compara este período como uma “queda de máscaras”. “Neste momento vamos vendo as máscaras caindo. Quem realmente respeita o outro tem consideração para consigo, a própria família, sociedade e quem não tem”, elenca. “A pessoa que se mostra agressiva na verdade é medo. Não é sinal de força”, acrescenta.

Com dificuldades em diversas áreas geradas pela Covid-19 e até tentativas desgastantes de demonstrar a magnitude da adversidade que o País e o Mundo atravessam, o psicanalista recomenda atenção à saúde mental, ainda mais nas redes sociais. “Tem um lado que não é da rede social em si, mas do uso que se faz dela. Vira uma ‘privada’ em que todos ‘vomitam’ e mostram o ódio e o medo que existe delas. Não temos tempo a perder, temos que cuidar da própria mente”, sugere.