Que o isolamento social causado pelo novo coronavírus tenha alterado a rotina de todo o mundo, é inegável. Porém, nas camadas mais pobres, a percepção sobre a doença traz um questionamento ainda mais profundo: o da sobrevivência. Se a periferia já sofria com o abandono, espécie de isolamento social, agora, a quarentena tornou tudo mais difícil.

Imagem ilustrativa da imagem Coronavírus: isolamento social na periferia é redundância

De acordo com a pesquisa do Data Favela/Locomotiva, realizada entre os dias 20 e 22 de março, 78% dos moradores de 262 favelas de todo o País conhecem alguém que já teve diminuição de renda por conta da pandemia. Em Londrina, trabalhadores informais e autônomos diariamente decidem qual risco tomar, o de contrair a doença ou o de não ter o que comer em casa.

“O que já era ruim, agora está bem pior. O pessoal aqui não consegue sair atrás de dinheiro, atrás de trabalho, porque tem que ficar dentro de casa”, comenta Tiago Sidney dos Santos, 32, morador e proprietário de um bar na jardim Marieta, zona norte de Londrina. “Mesmo não podendo trabalhar, eu estou trabalhando. Tenho duas meninas pequenas, pagar a pensão delas, se eu parar de trabalhar, não consigo pagar o leite e não tenho até para mim”, menciona.

“Os primeiros dias eu fiquei fechado, mas eu percebi que estavam faltando as coisas já para mim, eu não tenho de onde tirar. Meu único trabalho é esse e, mesmo que não tenha ninguém na rua, Santos.

De acordo com o Data Favela/Locomotiva, o trabalho é a principal fonte de renda dos moradores das comunidades (somando 71%), ficando acima das taxas de auxílios sociais, seguro desemprego, pensões e doações. A pesquisa ainda aponta que 86% dos moradores de comunidades teriam dificuldade para comprar comida se tivessem que ficar em casa sem renda e 72% não conseguem manter o padrão de vida por tempo algum, porque não têm recursos guardados.

Santos promovia batalhas de rima no bar e isso trazia pessoas de fora da comunidade para participar. Com o movimento no estabelecimento, conseguia se manter, além de ajudar a comunidade com a arrecadação de alimentos no critério da inscrição da competição. “Tem uma família com oito pessoas dentro de um barraquinho de madeira de dois cômodos. Eu ajudo com cesta básica, mas infelizmente esse mês não deu, porque todo mundo está passando a mesma barra”, lamenta.

A pesquisa nacional aponta que 7 em cada 10 famílias das favelas já tiveram a renda diminuída por causa do novo coronavírus e para 86% dos trabalhadores da periferia a pandemia diminuiu o movimento e as vendas de onde trabalham. “Tem uns meninos aqui da comunidade que passam todo dia vendendo uma coisa. Um dia é trufa, outro é geladinho gourmet, outro dia era esfirra aberta, eles estão tentando se virar, mas aí o pessoal tem receio de comprar coisa da rua por conta da doença”, relata Santos.

PELA METADE

Larícia Teixeira Batista, 31, mora no jardim São Loureço (sul) com o marido e quatro filhos. A família depende da renda do esposo, que é motorista de aplicativo. “Diminuiu o número de pessoas transitando, então caiu bastante a renda, basicamente pela metade”, afirma. Para sobreviver, pediu ajuda da família para pagar o aluguel, que custa R$ 600, mas as outras contas vão ter que esperar.

No bairro onde ela vive, disse que as pessoas estão mais reclusas, pouca gente andando a pé, mas vê carros circulando e alguns pontos cheios, como supermercados. “Sinto que não estão respeitando tanto o isolamento, está meio a meio, porque tem gente que precisa. Nossa situação mesmo, meu marido tenta sair um pouco para ver se consegue alguma coisa”, afirma. “Todo dia ele sai, ele tenta e acaba voltando logo por não ter passageiro.” Apesar da dificuldade, ressalta: “No meu bairro, todo mundo concorda com a quarentena”.

A dona de casa entende a importância do isolamento e sabe que é um risco que o marido tenha que sair de casa. Ela tem quatro crianças e a família faz o que pode para evitar o contágio. “Ele usa máscara, luva e álcool gel no carro, tem um borrifador e faz higienização das portas e bancos a cada passageiro”, conta.

Dentro de casa, faz o que pode. “A gente mora em uma casa com dois quartos, sala, cozinha, é uma dependência pequena. Tem ventilação, o quintal é bem grande, então a gente fica no quintal, e dentro de casa é com janelas e portas abertas”, aponta. Ela produz panos de prato informalmente, agora partiu para a fabricação de máscara de tecido para doar para a família e, quem sabe, vender.

MOVIMENTO INTENSO

Para a auxiliar de limpeza, Edina Soares da Silva, 47, a situação ainda está controlada, porque conseguiu pegar férias no trabalho, porém, o marido, que é pintor autônomo, está parado. “Ficou difícil para todo mundo, era uma coisa que a gente não esperava", comenta. No bairro onde vive, no jardim Piza (sul), ela observa que a quarentena não é tão respeitada. “As pessoas que eu conheço estão tomando cuidando, mas o movimento é intenso nas avenidas”, aponta.

Como segurança, o dinheiro recebido das férias foi direcionado para adiantar dois meses de aluguel. A auxiliar de limpeza é pré-diabética, tem pressão alta e estava de atestado dias antes de sair de férias do emprego. “Acho que vai ser difícil isso se restabelecer, mas se Deus quiser, isso vai passar”, pede em oração.

CAMPANHA

A Cufa (Central Única das Favelas) de Londrina participa da campanha nacional #favelacontraovírus e está arrecadando itens de necessidade básica para a população periférica. A proposta é ajudar estes moradores de Londrina, que estão sofrendo com a falta de renda por conta do isolamento social determinado pelas autoridades de órgãos de saúde.

“Existem estratégias no Brasil inteiro de prevenção e cuidado que as favelas têm que ter, por causa do ambiente, da aglomeração, das circunstâncias que as pessoas das comunidades se encontram, facilitam muito essa proliferação”, aponta Lua Gomes, representante da Cufa em Londrina. A meta é arrecadar alimentos, produtos de higiene e limpeza e brinquedos.

“Dentro das periferias há uma população de criança muito grande e ficar confinado dentro de casa com essas crianças é muito difícil, então estamos arrecadando brinquedos também para ocupar esse tempo e auxiliar essas famílias”, afirma.

A população que receberá as doações é do Residencial Vista Bela, dois assentamentos do São Jorge e também do Residencial das Flores, todos na zona norte de Londrina. “O objetivo é atingir locais de assentamento e ocupação, porque geralmente essa população não é assistida por programas sociais e a grande maioria tem na informalidade a sua geração de renda”, explica.

Além das doações, a central também está realizando a busca de alimentos perecíveis em boxes da Ceasa (Central de Abastecimento do Paraná) em Londrina e também em estabelecimentos, como sacolões e supermercados. “Vamos fazer isso de acordo com o que conseguimos arrecadar. Esperamos atender 30 famílias diariamente com esses sacolões”, aponta.

SERVIÇO - Os interessados em doar devem entrar em contato pelo WhatsApp de Leandro Palmerah (43) 99134-0359 ou Luana Gomes (43) 99115-3182 ou por meio do Instagram: @lua.gomesmo