Bastaram cinco minutos de conversa com Zulmira Rosa de Sousa para entender como ela cativou toda a equipe que a atendeu na Santa Casa de Londrina. A fala simples, acompanhada a todo momento de um sorriso largo, é contagiante.

Zulmira Rosa de Souza esbanja disposição e bom humor
Zulmira Rosa de Souza esbanja disposição e bom humor | Foto: Isaac Fontana - FramePhoto - Folhapress

O fato mais surpreendente, porém, é olhar para esta senhora de pequeno porte e imaginar que ela completou 109 anos no dia 13 de julho. Mais impressionante ainda é saber que ela acaba de passar por uma cirurgia para implante intramedular de haste após ter fraturado o osso proximal do fêmur, do lado esquerdo, ao escorregar no chão úmido de casa. Sua recuperação anima a equipe médica.

Como a história de dona Zulmira já envolve uma série de curiosidades, aqui vai outra: ela é a paciente mais idosa a ser operada na Santa Casa de Londrina em todos os 76 anos de serviços em saúde prestados à comunidade de Londrina e região.

“Eu já tinha atendido pessoas com mais de 100 anos, mas ela bateu o recorde. Biologicamente, ela tem muito menos do que 109 anos e está muito melhor que outras pessoas de 80 anos, por exemplo, que operamos aqui. E a recuperação dela foi dentro do previsto”, comenta o médico ortopedista e traumatologista Vanderlei Montemor Bernardo.

Ele cita que buscou algumas referências sobre cirurgias do fêmur realizadas em pacientes nesta faixa de idade, mas o mais próximo que encontrou foi um paciente de 101 anos. “O caso da Zulmira é uma exceção”, diz. A cirurgia ocorreu no dia 14 de setembro e ela teve alta 48 horas depois.

A FOLHA conheceu dona Zulmira na manhã desta segunda-feira (5), durante a consulta de retorno. Ela é moradora de Alvorada do Sul (Região Metropolitana de Londrina) e estava acompanhada da neta Janaína Gualberto Marestone.

“Dona Zulmira está ótima. No melhor dos mundos, vamos dizer assim. Segundo a neta nos contou, já está dando os primeiros passinhos em casa, com ajuda. Está superando as expectativas pela questão da idade”, conta o médico. Dentro de cinco semanas, a equipe médica fará uma nova consulta de avaliação.

“Eu faço chá de plantas como remédio natural e minha vida inteira fui saudável. Deus me ajudou a não ter nada”, afirma Zulmira Rosa de Souza, que foi atendida pelo ortopedista Vanderlei Montemor Bernardo
“Eu faço chá de plantas como remédio natural e minha vida inteira fui saudável. Deus me ajudou a não ter nada”, afirma Zulmira Rosa de Souza, que foi atendida pelo ortopedista Vanderlei Montemor Bernardo | Foto: Isaac Fontana/Framephoto/Folhapress

LEMBRANÇAS E RECEITAS

Com 109 anos, muitas lembranças já não são tão claras para dona Zulmira, mas o passado de trabalho árduo na roça sem mantém vivo na memória. “Trabalhei muitos anos preparando a terra, catando lenha, derrubando o mato e plantando feijão, milho, café. Onde moro hoje tem horta e alguns pés de café. Eu adoro mexer com a terra”, conta.

Nascida em Barra da Estiva, na Bahia, mudou-se ainda nova para o Paraná, por volta dos 16 anos, para trabalhar com a família nas fazendas. Ela se casou quando tinha 13 anos e ficou viúva cedo. O marido Antonio, com quem teve seis filhos, faleceu aos 35 anos. Ao se instalar em Alvorada do Sul, dona Zulmira nunca mais saiu de lá.

A conta sobre a quantidade de herdeiros já não cabe na palma da mão. Afinal, já passa dos 80, segundo Marestone. A neta conta também que a avó foi uma das pioneiras a trabalhar nas lavouras quando o café começou a ser cultivado com força na região.

“Quando o sol sai, eu já digo que vai esquentar. Gosto de fazer o almoço, arrumar a casa”, diz a paciente, que há sete anos passou a contar com a ajuda de uma filha nos afazeres domésticos. Essa nova cirurgia que dona Zulmira foi submetida foi a segunda a ser realizada em mais de um século de vida. Quando tinha 102 anos, ela fez outra cirurgia do fêmur, do lado direito.

Fora esses dois episódios, dona Zulmira nunca ficou hospitalizada e não toma remédios controlados, já que não tem diabetes e nenhuma outra doença crônica. “Eu faço chá de plantas como remédio natural e minha vida inteira fui saudável. Deus me ajudou a não ter nada disso”, diz, se referindo às doenças.

No dia a dia, dona Zulmira não abre mão do cafezinho no bule, dos chás de ervas naturais, da pimentinha para dar ‘sabor’ à comida e do cachimbo, que ela preenche com fumo de corda. Sobre sonhos, ela diz que gostaria de receber em casa um apresentador da televisão famoso para uma xícara de café. Questionada sobre o conteúdo que esta conversa teria, ela não diz nada, mas a neta completa aos risos e lágrimas de emoção que, todos os dias, a avó "conversa" com o apresentador do sofá de casa.

VELÓRIO POR ENGANO

Existe uma história da família de dona Zulmira que passou de geração em geração e a neta fez questão de contar para a equipe de reportagem. “Dizem que quando a avó era mais nova, teve um mal súbito e chegou até a ser velada por três dias e três noites. Perto do sepultamento, ela deu um baita susto em todo mundo, pois se levantou e pediu um copo de água”, diz Marestone, que arrancou gargalhadas de todos na sala.

A avó escutou atenta à história e não afirmou nem desmentiu. Se isso aconteceu mesmo, pouco importa porque o fato é que dona Zulmira, aos 109 anos, se mantém em pé, com um jeito simples de viver e uma alegria que fez e continua fazendo história.

PREVENÇÃO

De acordo com o ortopedista e traumatologista Vanderlei Montemor Bernardo, que atua na Santa Casa de Londrina há pelo menos 20 anos, todos os dias chegam de três a cinco pacientes com fratura do fêmur. “Isso é uma crescente e a população ficando mais idosa, esse cenário vai aumentar cada vez mais. Mas nós sabemos que com cuidados no dia a dia é possível evitar muitas quedas. Cerca de 40% dos casos das fraturas em idosos dos 60 aos 101 anos poderiam ser evitados com medidas simples”, aponta.

Ele explica que é natural com o avançar dos anos que os ossos sofram com a osteoporose (diminuição progressiva da densidade óssea), resultando em fraturas diante de uma queda. Entre as possíveis lesões, a fratura do fêmur é uma das mais preocupantes, segundo o especialista.

A SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia) estima que há uma queda para um em cada três indivíduos com mais de 65 anos e, que um em 20 daqueles que sofreram uma queda sofram uma fratura ou necessitem de internação. Dentre os mais idosos, com 80 anos e mais, 40% caem a cada ano.

Ainda segundo o especialista, a maioria dos casos de fratura em idosos ocorre com mulheres brancas com mais de 80 anos; e com exceção de crianças, a fratura do fêmur sempre irá evoluir para uma cirurgia. “É exceção não operar em adultos, mas é claro que depende da fratura e da idade do paciente. Hoje já contamos com muitos avanços em anestesia, materiais e cirurgia. O objetivo sempre será restabelecer o paciente nas condições que ele tinha antes da queda”, afirma.

O médico cita também que dos idosos que sofrem fraturas como a de dona Zulmira, 40% recuperam a autonomia anterior com auxílio de equipamentos como andador ou muleta dentro de um ano após a cirurgia.

Imagem ilustrativa da imagem Com 109 anos, dona Zulmira é a paciente mais idosa operada na Santa Casa de Londrina
| Foto: Folha Arte