A coleta de resíduos sólidos, serviço que já fez Londrina ser reconhecida internacionalmente, inclusive com prêmio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), se transformou em problema para o município. Contrato em que as cooperativas apontam defasagem, preços irrisórios de parte dos materiais, dificuldade para a venda e a atuação de coletores informais têm colocado à prova o atual modelo de reciclagem na cidade e a busca por um novo método sustentável economicamente, que tenha consenso entre todos os envolvidos.

O programa Londrina Recicla foi instituído em 2009 por meio de decreto municipal, que regulamentou a gestão dos resíduos orgânicos e rejeitos de responsabilidade pública e privada. Com a medida, os trabalhadores puderam se organizar em cooperativas e ganharam autonomia na coleta, separação e venda dos materiais, com a população reservando em casa ou no comércio o que pode ser reciclado. A coleta seletiva é realizada em 100% da área urbana, totalizando mais de 235 mil imóveis.

Atualmente, sete cooperativas fazem a coleta. O último contrato de longo prazo entre o município e as entidades venceu em outubro de 2022. Desde então, vem sendo renovado a cada seis meses, o que é motivo de crítica das instituições que cobram um novo vínculo de longa duração e com melhorias nos repasses. Hoje, a CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) paga R$ 2,11 por imóvel visitado – R$ 1,67 por domicílio e R$ 0,44 para locação de barracão - e o INSS dos trabalhadores.

“Todos os contratos com o município nunca foram para a sustentabilidade das cooperativas, sempre foi abaixo do valor, o que é uma desvantagem muito grande. Não supre a necessidade que deveria. Sempre tivemos prejuízo, tendo que assinar contratos baixíssimos”, desaprova Francisco Bitencourt, presidente da Ecorecin, que é responsável pela coleta em 25 mil domicílios, a maioria na área central.

Uma cobrança é para que o município também banque a insalubridade dos coletores. “Tem que garantir o mínimo do cooperado, que é lei, e isso estamos garantindo mesmo com toda a dificuldade. Mas falta um reajuste que cobre realmente os custos do sistema, precisamos receber a insalubridade, o que hoje não acontece e faz falta, atualizar o número de imóveis”, cita o presidente da Cooper Região, a maior da cidade, abrangendo 40% do serviço, Zaqueo Vieira.

BARRACÕES LOTADOS

Outro alvo de reclamação, e que estaria inviabilizando a qualidade do serviço, seria o contrato semestral. O atual vence em abril. “É um transtorno muito grande renovar a cada seis meses”, define Bitencourt. “Tudo sobe entre o período que assina e um outro contrato e não existe nenhum reajuste neste tempo. Precisamos de um contrato com período maior (de duração) e com esta previsão. Temos tido jogo de cintura para trabalhar dentro do que estipula estes contratos”, afirma Vieira.

De acordo com as cooperativas há vários materiais que não estão tendo comercialização, como caixas de remédio, isopor e pet colorido. “A Ecorecin tem apenas um barracão e temos 140 fardos de caixas de remédio armazenadas, o que ocupa metade do espaço. O isopor não conseguimos vender desde outubro do ano passado”, cita.

CMTU

Em nota, a Companhia Municipal de Trânsito diz que já se posicionou ser favorável a extensão anual do contrato e que a variação do valor dos materiais é um “risco do negócio”. “Quando o valor é alto, não questionamos. Têm cooperativas que vendem (pelo valor) três vezes menor que outras, conforme notas enviadas por eles mesmos. O poder público já arca com aluguéis, INSS de 20% e tudo que já consta no contrato”, destaca. “Todas as cooperativas estão com o número mínimo de cooperados abaixo do exigido em contrato”, aponta.

POPULAÇÃO

Quem tem saído prejudicado em meio à queda de braço é a população, que muitas vezes espera dias e até semanas para ter a reciclagem recolhida na porta de casa. No jardim Petrópolis, zona sul, perto do Centro Cívico, há quatro meses os moradores estão sofrendo com os transtornos da falta da coleta. “O dia de coleta é quinta-feira. Colocávamos na rua por volta das 6h30 e logo em seguida faziam a coleta. Mas desde outubro não passam recolhendo mais”, relata o servidor público estadual Antonio Aparecido Roncon.

Apenas na casa dele já são 12 sacos de cem litros com materiais que podem ser reciclados à espera da coleta. “Estes materiais têm se espalhado pela rua, quando vem a chuva isso acaba indo diretamente para os bueiros que, inclusive, alguns estão entupidos”, alerta.

Na região leste, moradores do Charmonix ficaram três semanas sem o serviço. “A coleta de reciclagem ocorre as segundas-feiras, no entanto, tenho observado uma irregularidade no serviço, pois não está ocorrendo todas as semanas como deveria. A última coleta havia sido realizada no dia 29 de janeiro e somente em 13 de fevereiro passaram novamente. Em dezembro enfrentamos uma situação semelhante”, conta o gerente de vendas Flavio Caroano.

O receio é com a dengue, numa época em que Londrina pode enfrentar uma nova epidemia da doença. “Tivemos o acúmulo de sacos de lixo em frente à residência. Infelizmente, durante a noite, alguns desses sacos são violados por pessoas em busca de latinhas e outros materiais recicláveis, o que resulta na dispersão de lixo pelas calçadas. Essa situação propicia um ambiente favorável para a proliferação do mosquito Aedes aegypti.”

REGULARIZAÇÃO

A CMTU diz que esse era um dos motivos que a levou a querer terceirizar a coleta. “Porém, nesse momento, estamos acompanhando de perto as cooperativas para regularizar a situação”, garante. Em 2022, a companhia lançou uma licitação de R$ 6,5 milhões para contratar uma empresa para pegar os materiais nos imóveis e entregar nas cooperativas, que continuariam fazendo a separação e venda. Entretanto, o edital foi questionado pelo MP-PR (Ministério Público do Paraná) na Justiça e não teve andamento após o município não apresentar recurso.

As cooperativas justificam o atraso para o recolhimento dos resíduos pelo aumento exponencial da demanda entre o final e o início do ano.

MP espera há quase um ano planilha com custos do serviço

O MP-PR (Ministério Público do Paraná) instaurou um procedimento extrajudicial para acompanhar o processo de fortalecimento das cooperativas e do serviço de reciclagem em Londrina há quase um ano e meio. A 20ª Promotoria, que é a de Proteção ao Meio Ambiente, Ordem Pública e Terceiro Setor, está “de olho” no assunto desde que o município tentou terceirizar a coleta.

Em nota pública enviada à FOLHA, a promotora Revia Aparecida Peixoto de Paula Luna ressalta que foi criado um grupo de trabalho, reunindo representantes das cooperativas, prefeitura e universidades, para buscar propostas de aprimoramento do recolhimento de resíduos sólidos. Em uma destas discussões, a CMTU (Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização) voltou a defender a contratação de apenas uma entidade ou empresa para a coleta, o que foi rechaçado pelas associações.

Neste mesmo encontro, em abril de 2023, foi definida a necessidade de elaborar a planilha detalhada de todos os custos da operação como uma etapa prévia da licitação para contratar as cooperativas. O prazo inicial previsto para entrega foi de 45 dias, porém, até agora só foi apresentado o gasto da coleta, que é o mesmo que foi usado para embasar o edital fracassado da terceirização.

“Até a presente data não foram apresentadas as planilhas referentes aos custos da triagem e da destinação dos materiais, tendo a CMTU informado que estão em fase final junto ao setor competente para análise dos valores de mercado”, pontua. Sobre este tema, a companhia informou que “a planilha para a coleta é a mesma que foi apresentada para a terceirização.”

A promotora também aponta que entre as indicações feitas pelo grupo de trabalho para o novo modelo de contrato está a remuneração do serviço em duas modalidades: uma parcela fixa, conforme o custo, e uma variável, a partir de indicadores ambientais e de gestão.