“Havia muitas crianças na rua revirando lixo, fora da escola, abandonadas no próprio bairro e grupo de criança que vinha para o Centro pedir esmola, bater descuido, que era roubar as bolsas das mulheres descuidadas”, relembra Ignez Vidotti, 75, uma das fundadoras do Clube das Mães Unidas. A entidade está completando 40 anos de existência em Londrina neste ano e atende 250 jovens e adultos e 80 crianças em duas sedes.

Durante a pandemia, a instituição está atendendo os alunos de forma remota e realiza ainda a distribuição de cestas básicas
Durante a pandemia, a instituição está atendendo os alunos de forma remota e realiza ainda a distribuição de cestas básicas | Foto: Roberto Custodio

Na antiga favela Marabá (zona leste), um grupo local de mães se uniu com intuito de criar um espaço para deixar os filhos para que pudessem trabalhar. Assim nasceu o Clube das Mães Unidas, em uma casa simples, com atividade no contraturno da escola para crianças e adolescentes.

Naquela época, Londrina não possuía tantas entidades sociais. Vidotti, que era assistente social da prefeitura, conhecia bem a realidade da cidade. “Quando eu comecei em Londrina, em 1976, eu andava muito por aí e só existiam cinco instituições. Era muita fome, crianças com aquelas barrigas grandes e braços finos da desnutrição, muito piolho, verminose e muitas doenças”, relembra.

As primeiras reuniões na rua dos Abacateiros, na comunidade do Marabá, eram realizadas em uma casa sem estrutura. “Não tinha nada apropriado, era uma adaptação. Era em torno de 12 mulheres da comunidade e depois a gente transferiu para uma sede. No começo não tínhamos respaldo, foi tudo muito difícil, depois fomos envolvendo pessoas com mais capacidade de gerenciamento, de buscar recursos com outras pessoas e fomos reformando e aumentando a capacidade de atendimento”, revela. Em 1989, a sede foi transferida para o endereço que está atualmente.

O trabalho de contraturno era o primeiro em Londrina, mas a demanda foi absorvida por uma creche e o Clube foi tomando outras proporções e criando outros projetos. “Começamos a fazer um trabalho com a família e, principalmente, para as mães. Reformamos o prédio, adequamos e começamos a fazer cursos para essas mães nos anos 2000.” A história do local divide-se em 20 anos cuidando de crianças e 20 anos trabalhando com cursos profissionalizantes, agregando todas as regiões de Londrina.

CAPACITAÇÃO E CONVIVÊNCIA

Atualmente, são dois projetos. O Serviço de Educação Socioprofissional e Promoção da Inclusão Produtiva, que contém 14 cursos gratuitos de capacitação ministrados mensalmente a jovens e adultos a partir dos 16 anos. O critério para fazer o curso é que a pessoa tenha o Cadastro Único, do governo federal. O outro, o Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no CCIJ (Centro de Convivência Infanto Juvenil Prof. Ivan Dutra) para crianças de 6 a 13 anos, advindas de programas sociais e que estão em situação de vulnerabilidade.

Instituição oferece 14 cursos gratuitos de capacitação
Instituição oferece 14 cursos gratuitos de capacitação | Foto: Roberto Custodio

A assistente social, Danielle Godoi Agostini Rodrigues, 35, conta que o serviço oferece oportunidade de renda e capacitação para que as pessoas tenham autonomia financeira e qualidade de vida melhor, mas que outros benefícios são percebidos. “Muita gente chega sem perspectiva de vida, embora o foco não seja saúde, mas a gente recebe pessoas com depressão, autoestima baixa e através do curso conseguem inúmeros benefícios. Elas saem de lá sem precisar tomar remédio, hoje são profissionais da área e são proprietários dos seus negócios”, comenta.

Durante a pandemia, a instituição está atendendo os alunos de forma remota e com articulação com a rede para distribuição de cestas básicas, kits de hortifruti e em outras necessidades que demandam mais urgência nesse momento.

'AMASSAMOS BARRO'

Aos 75 anos de idade, Ignez Vidotti tem satisfação ao contar essa história que já completa 40 anos e traz à memória de um início difícil, mas que mostra um desenvolvimento importante. “Ali foi um assentamento e quando houve a urbanização, um grupo de colegas e eu ajudamos, amassamos muito barro”, ri. “Lembro de quando eu e outra colega fazíamos reunião em um bar à noite no Santa Fé, não era tão perigoso quanto é hoje, a gente não tinha medo. Então, tem toda uma história que foi melhorando, cada pessoa tinha sua casinha e foi crescendo muito ali”, recorda.

Lembranças com orgulho, esperança de pode continuar e fazer mais pelo projeto que acompanhou desde o início. “É um grão de areia que pode fazer diferença. Graças a Deus que eu gosto muito do trabalho e quero realizar novos projetos. As pessoas não têm noção do quanto o trabalho voluntário é importante pra gente, nos dá ânimo de vida, dá disposição, alegria, são coisas que você não compra em lugar algum”, defende.

OPORTUNIDADE DE TRANSFORMAÇÃO

Primeiro o curso de boleira, depois o de doces e então o de padaria. Eliana Coimbra, 40, descobriu o Clube das Mães Unidas para capacitação profissional e acabou contratada da instituição. Atualmente, ela é responsável por fazer as refeições das crianças no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, no CCIJ (Centro de Convivência Infanto Juvenil Prof. Ivan Dutra), administrado pela instituição.

“Eu fazia lanche. Desde os 25 anos trabalho nesse tipo de serviço e para terceiros. Tenho quatro filhos e sempre trabalhei à noite”, menciona. Conseguir um trabalho de cozinheira foi um alívio e também um pontapé para acreditar mais em si mesma. “Agora voltei a estudar, estou terminando o ensino médio e pretendo cursar faculdade de assistência social. O serviço na instituição abriu a minha cabeça, eu quero fazer mais”, conta.

Para a cozinheira, o projeto abriu portas para que ela se capacitasse em um para contribuir com o outro, no atendimento às crianças. “Eu sou a cozinheira do centro de convivência e adoro, sempre quis trabalhar com criança e adoro quando elas falam que estão com saudade da minha comida”, comenta. Ela também conta que com o trabalho atual, consegue ficar mais perto dos filhos, já que nos finais de semana está em casa.

NEGÓCIO PRÓPRIO

Para Joyce da Silva Souza, 35, o Clube das Mães Unidas foi a oportunidade conquistar o desejado negócio próprio. “Estava procurando uma profissão, um aperfeiçoamento. Eu já era manicure na época, mas queria fazer curso de cabelo para ter meu próprio negócio, tanto pelo retorno financeiro quanto pela minha independência”, menciona.

 Joyce da Silva Souza fez vários cursos no Clube das Mães Unidas: "Hoje estou no meu salão"
Joyce da Silva Souza fez vários cursos no Clube das Mães Unidas: "Hoje estou no meu salão" | Foto: Roberto Custodio

Ela fez vários cursos no local: cabeleireira, barbearia, sobrancelha e maquiagem. “Hoje eu estou no meu salão”, revela com felicidade. Souza afirma que não teria oportunidade se não fosse a instituição, considerando que não havia como custear os cursos de capacitação.

No salão próprio, ela pode levar o filho de quatro anos para que fique olhando. Não fosse isso, teria que encontrar alguém para cuidar ou abandonar o trabalho. Para ela, o curso foi uma oportunidade mudança. “Me ajudou na capacitação, foi lá que aprendi a profissão”, afirma. “Eu sou muito grata a eles, através deles eu me tornei uma profissional e hoje tenho meu espaço e posso trabalhar por conta”, defende.