Em um fim de domingo de 2015, o telefone tocou na casa de Ecílio Bezerra da Mota, 57. “Era o doutor me comunicando para eu me preparar para ir ao hospital, pois tinham arrumado um coração para mim”, conta. Desde 2010 sofrendo de insuficiência cardíaca e duas cirurgias no histórico, o transplante era o último recurso para que ele pudesse dar continuidade à vida. O Setembro Verde é o mês de conscientização de doação de órgãos e tecidos. No Paraná, mais de duas mil pessoas aguardam por um transplante e desejam que o telefone toque para dar a notícia da chance de vida.

Ecílio Bezerra da Mota:  "Hoje é vida normal, voltei para a construção civil, mas faço com mais calma, não por falta de condição, mas por opção”
Ecílio Bezerra da Mota: "Hoje é vida normal, voltei para a construção civil, mas faço com mais calma, não por falta de condição, mas por opção” | Foto: Roberto Custódio

“Recebi a notícia igual agora que estou te contando, chorando”, diz o trabalhador da construção civil, que ainda se emociona. Por conta de uma febre reumática, que ocasionou a insuficiência da válvula mitral, Mota vivia muito debilitado. Em 2012, teve problemas graves e fez a troca da válvula. Em 2014, descobriu endocardite, levando a uma internação longa e ao coma. “Aí falaram que a minha situação só seria resolvida por um transplante”, recorda.

Mota estava tão debilitado, que recebeu a notícia do transplante com naturalidade. “Depois de conhecer o processo, encarei com felicidade, porém, com preocupação. O transplante cardíaco hoje é complicado, é difícil doador, ter compatibilidade, mas eu fiquei otimista”, aponta.

O que nem sempre é o comum. Denise Monrrow Lonni, enfermeira coordenadora do transplante no CIHDOTT (Comissão Intra-Hospitar de Doações de Órgãos e Tecidos para Transplante), da Santa Casa de Londrina, acompanha todo o processo desses pacientes na unidade. “Não é uma notícia fácil, porque é o último tratamento possível, o último recurso para esse paciente continuar a viver. A absorção dessa notícia não consegue ser em uma única consulta”, afirma. Por isso, destaca a importância do trabalho de educação em saúde.

PREPARATÓRIO

O paciente entra em processo preparatório com equipe multiprofissional (nutricionista, psicólogo, fisioterapeuta, dentista, assistência social) para atestar a possibilidade psíquica, social e sanitária de receber o transplante. Mota ficou um ano em preparação para entrar oficialmente na fila do transplante. “A partir daí a gente fica pensando: ‘será que é hoje? Será que vai vir?’ Tem que ter paciência”, menciona ele.

A Santa Casa de Londrina é um centro de transplantes de rins, procedimento que acontece na unidade desde 1985, e de coração, desde 1994. Lonni conta que a média de tempo de espera para um rim é de um ano a um ano e meio, a fila de espera de um coração dura em média seis meses.

Para Mota, o tempo na fila durou 40 dias. “Por incrível que pareça, em nenhum momento eu tive medo. Antes, eu busquei saber tudo como seria, o que aconteceria comigo. Eu estava com vontade de viver”, menciona. Entrou na sala de cirurgia para receber um coração maringaense. Ele sabia que o procedimento era rápido e que exige muita organização das equipes.

Imagem ilustrativa da imagem Cinco anos após transplante, londrinense ainda se emociona com a história
| Foto: Folha Arte

PROCEDIMENTO

A coordenadora explica que todo o procedimento de transplante de coração deve ser realizado em menos de quatro horas. “O nosso cirurgião vai até o hospital do doador (de helicóptero ou avião) para fazer a captação com corte adequado para o paciente. Tem uma sincronia com o centro cirúrgico daqui para, após a validação do órgão pelo doutor, a equipe iniciar o procedimento até que ele chegue com o órgão para a cirurgia”, explica a coordenadora.

Em 2019, a Santa Casa de Londrina realizou 15 transplantes renais e cinco cardíacos. “É muito lindo. A gente vê um coração dentro da caixa, sem função, parado, e quando ele transplanta, é muito bonito ver retomando o movimento, ver o monitor, a pressão, a equipe inteira fica emocionada, é muita adrenalina e satisfação”, conta. “O nosso trabalho é um divisor de águas na vida de um paciente, é o que vai definir o destino dele”, fala com satisfação.

Destino que Mota só tem a agradecer. Cinco anos após o transplante, se vê com vontade de aproveitar a chance que recebeu. “Hoje é vida normal, eu trabalho normal, voltei para a construção civil, mas hoje faço com mais calma, não por falta de condição, mas por opção”, comenta. A proposta é ter saúde para devolver a oportunidade. “Eu falo para a minha família que o dia que eu morrer, o que puder aproveitar, pode pegar e doar, vai salvar vidas, minha vontade é essa.”

Neste mês, a Santa Casa de Londrina realizará campanha para levar educação em saúde para que mais pessoas compreendam a importância de doar órgãos. Atualmente, no Paraná, 2.099 pessoas aguardam na fila para o transplante.

Imagem ilustrativa da imagem Cinco anos após transplante, londrinense ainda se emociona com a história
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