Noemia Ishikawa é pesquisadora no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia: "Temos biodiversidade suficiente para lançar novos cogumelos para o mundo"
Noemia Ishikawa é pesquisadora no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia: "Temos biodiversidade suficiente para lançar novos cogumelos para o mundo" | Foto: Divulgação



A bióloga Noemia Kazue Ishikawa, recebeu no dia 11 de agosto o grau de comendador da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho, em cerimônia realizada no Tribunal Superior do Trabalho, em Brasília. A honraria premia um trabalho de 26 anos dedicados ao estudo dos cogumelos. Mestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa e doutora em Recursos ambientais pela Universidade de Hokkaido (Japão), Ishikawa realizou Pós-Doutorado no Instituto Micológico de Tottori (Japão) e na Universidade de Clark University (Estados Unidos). Atualmente ela é pesquisadora no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia)e atua no programa de pós-graduação em Biodiversidade e Conservação na UFPA (Universidade Federal do Pará- Campus Altamira).

Entre as conquistas dela estão a participação do projeto de sequenciamento do genoma do shiitake, a descoberta de seis novas espécies de cogumelos na Amazônia; a descoberta de novas substâncias produzidas pelo cogumelo enokitake, os enokipodins A, B, C e D, que em laboratório demonstraram ação contra bactérias, fungos, células cancerígenas e malária. A pesquisadora também atua na divulgação do conhecimento dos índios ianomâmi sobre cogumelos comestíveis e a formação de cadeia de comercialização de cogumelos coletados por eles. Esse trabalho resultou no primeiro cultivo comercial do cogumelo Lentinula raphanica, cogumelo que os índios ianomâmi adotam em sua dieta, e a divulgação do uso de cogumelos comestíveis da Amazônia na alta gastronomia brasileira, interagindo com chefs renomados como Felipe Schaedler e Alex Atala. Ela também auxiliou os índios ianomâmi a publicar o livro Ana Amopö: Cogumelos Enciclopédia dos Alimentos Yanomami, o primeiro livro sobre cogumelos comestíveis a ser publicado no Brasil.

Segundo ela, o interesse pelos cogumelos teve início ao observar o seu avô materno, Nobuo Komagome, um dos primeiros a cultivar shiitake no Paraná. "Meu avô dedicou 20 anos ao cultivo do shiitake e nos últimos três anos de vida ele deu a entender que gostaria que alguém continuasse o seu trabalho com essa cultura." Quando entrou na UEL (Universidade Estadual de Londrina) contou que iria trabalhar com cogumelos. "Ele me dizia que se levasse o estudo com seriedade, poderia me tornar doutora. Foi a primeira vez que ouvi a palavra doutora em japonês", revela. Infelizmente logo após isso, Komagome morreu.

Na casa da família no distrito de Maravilha, a pesquisadora com Massanobu Ishikawa recorda a infância vivida na propriedade rural
Na casa da família no distrito de Maravilha, a pesquisadora com Massanobu Ishikawa recorda a infância vivida na propriedade rural | Foto: Marcos Zanutto



Mas Ishikawa se inspirou e continuou estudando o shiitake. Ela fez o mestrado na Universidade de Viçosa (SP) e logo depois seguiu para a Universidade de Hokkaido, no Japão, para realizar seu estudo de doutorado. Porém, realizar um estudo inédito com o shiitake em um país que estuda esse fungo há séculos era muito difícil. "Tudo o que eu propunha, alguém já havia estudado". Até que propôs repetir por lá um estudo feito aqui, mas usando um outro tipo de cogumelo também de importância comercial e culinária, o enokitake. O resultado é que nessa pesquisa com a espécie ela descobriu quatro compostos químicos que eram inéditos no mundo inteiro.

No entanto, lá no Japão ela começou a despertar sobre a pouca pesquisa de cogumelos brasileiros, pois todos os grupos daqui estudavam cogumelos de fora do Brasil. "Isso começou a me incomodar, pois temos poucos pesquisadores e a diversidade do Brasil é enorme. Voltei disposta a estudar cogumelos do Brasil."
Nesses anos todos ela realizou cerca de duas mil coletas e depósitos. "Não são todas de diferentes espécies. Muitas vezes coletamos várias vezes a mesma espécie, que estão esperando serem identificadas. Mas pelo menos sete delas eram inéditas", revela.

Das duas mil coletas, 27 eram espécies comestíveis já conhecidas. "A partir dessa identificação estava em uma fase em que já tinha feito triagem do que era gostoso, e do que era difícil para comer. Às vezes eles são fibrosos e difíceis de consumir. Algumas espécies os chineses já consomem há tempos. Outras são difíceis de desidratar e reidratar. Outros são micorrizos, ou seja, dão no solo", destaca.

MEMÓRIA
Ishikawa revela que ao receber a comenda relembrou de toda a sua trajetória até chegar ali. "As coisas começaram em (distrito) Maravilha. Eu estudei da 1ª a 4ª série na Escola Municipal Clotário Portugal, uma escola rural que não existe mais. Muitas das coisas que a gente aprendeu no doutorado não resolvem nada quando se está com dificuldade. O que resolve é o que a gente aprendeu no sítio", diz em tom saudosista.

Ela questiona o motivo pelo qual no Brasil não se cultiva os próprios cogumelos. "No mato, perto do rio Tibagi, encontro pleurotus. Isso é daqui, é nosso. A gente está comendo shimeji do Japão e não cultiva nossos cogumelos. Faltam fechar pontos dessa cadeia. Esse é o meu desejo daqui para frente. Acho que temos biodiversidade suficiente para lançar novos cogumelos para o mundo. Eu acho que o mundo está preparado para receber cogumelos da Amazônia e do Brasil. Esse é o meu rumo nos próximos 10 anos", garante.