"Eu alimento uns 35 cachorros e coloco nome em todos eles, todos têm carteirinha de vacinação e são medicados anualmente”, menciona Leonice Dias Ribeiro
"Eu alimento uns 35 cachorros e coloco nome em todos eles, todos têm carteirinha de vacinação e são medicados anualmente”, menciona Leonice Dias Ribeiro | Foto: Arquivo Pessoal

Há semanas um cachorro circula a região em busca de comida, então, um dos moradores se prontificou a colocar um pote de ração todos os dias para o animal, o vizinho se propôs a trocar a água no período da tarde, a dona do estabelecimento local financiou o material para a construção de uma casinha, que o funcionário da unidade básica de saúde do bairro montou, utilizando seus dotes com a marcenaria. Assim nasce um cão comunitário, que tem respaldo na lei 17.422, de 2012. Assim também nasce uma comunidade engajada pela causa animal, como no distrito da Warta, na região Norte de Londrina.

Sansão é um dos animais cuidados pela comunidade, que construiu e espalhou casinhas de madeira pelo distrito
Sansão é um dos animais cuidados pela comunidade, que construiu e espalhou casinhas de madeira pelo distrito | Foto: Lais Taine - Grupo Folha

Pela lei, considera-se animal comunitário: “aquele que estabelece com a comunidade em que vive laços de dependência e de manutenção, ainda que não possua responsável único e definido”. Sansão, um cachorro caramelo da Warta, é um dos animais cuidados pela comunidade do entorno. Lá, aproximadamente 35 animais abandonados são assistidos por pessoas que se dispuseram a ajudar no formato da lei.

De segunda a segunda, Leonice Dias Ribeiro, 51, que vive em uma chácara a um quilômetro de distância da área urbanizada do distrito, leva comida aos animais pela manhã. “Eu acordo às 5 horas, preparo a comida deles, porque só ração eu não dou conta, levo no carro umas duas ou três panelas de comida, uma sacola de ração e vou distribuindo de ponto em ponto lá”, conta.

Na praça da rua José Manduca, duas casinhas de madeira estão dispostas para abrigar os cães abandonados. Foi lá que Sansão recebeu a equipe de reportagem com simpatia. Esse não é o único local de proteção, a voluntária passa por locais espalhados levando além da alimentação. “Chego às 7 horas e vou embora às 9 horas, vejo se estão precisando de remédio, se tem algum doente. Eu alimento uns 35 cachorros e coloco nome em todos eles, todos têm carteirinha de vacinação e são medicados anualmente”, menciona.

"Eu alimento uns 35 cachorros e coloco nome em todos eles, todos têm carteirinha de vacinação e são medicados anualmente”, menciona Leonice Dias Ribeiro
"Eu alimento uns 35 cachorros e coloco nome em todos eles, todos têm carteirinha de vacinação e são medicados anualmente”, menciona Leonice Dias Ribeiro | Foto: Arquivo Pessoal

Dias perdeu a visão em um olho e tem problemas de saúde. Aposentada pelo INSS, há três anos encontrou uma pessoa que tinha a mesma paixão pelos animais e então começou a contribuir com a causa. Essa pessoa é uma professora da escola municipal do distrito, que sempre via os animais maltratados na região. “Eu trabalho lá há 28 anos e sempre teve muito cachorro ali. A escola ficava em frente a uma praça, então os cachorros se concentravam muito naquele local e acabam entrando na escola, o pátio sempre tinha muito cachorro”, recorda Isabel Aparecida Mantovani, 53.

Uma das colegas passou a alimentar os animais e a professora deu continuidade. “O meu marco foi há uns 10 anos, quando o Bobby (cachorro) apareceu com uma dermatite terrível, comprei medicamentos para ele e duas alunas da época se prontificaram a passar o remédio quando eu não estava lá. Hoje uma é formada em zootecnia e outa em veterinária”, ri com o destino.

O Bobby depois foi adotado por outra professora, mesmo assim, os animais continuavam surgindo. “Primeiro veio a preocupação de alimentar, depois de castrar as fêmeas”, defende. A professora sempre pagou do próprio bolso as medicações e castrações dos animais. “Eu tenho até hoje dívida de 10 anos para pagar”, comenta. Atualmente, ela paga hotel para quatro cães que foram abandonados.

Um dia, a aposentada precisou de ajuda financeira para cuidar de um cão atropelado e ouvia a história de uma professora que cuidava de animais na Warta. “Foi assim que começou; hoje, graças a Deus, a gente já castrou quase todas as fêmeas que foram aparecendo e já doamos muitos cachorros”, afirma a professora. Há uns três anos, passaram a contar com apoio de ONG SOS Vida Animal para ajudar com alguns custos.

A própria comunidade passou a entender que os cães dependem do apoio e alguns se sensibilizam com a causa. Durante a conversa, as duas citaram pessoas que contribuíram com alimentação, construção de casinhas ou com recursos para tratamentos.

VIDA DE CÃO

Apesar de uma parcela da população compreender as necessidades dos animais em situação de rua e formarem uma rede para ajudar, ainda há muito abandono. Em Londrina, de acordo com o Censo de 2014, existe cerca de 60 mil animais abandonados. Além dos que abandonam, ainda há quem não concorde com a ajuda.

“Já fui muito criticada, antes eu ficava nervosa, batia de frente, agora eu deixo para lá, faço porque eu gosto”, comenta Leonice Dias Ribeiro, a voluntária que está diariamente com os cães. Ela se defende dizendo que tem autorização do dono da casa para colocar o pote com a comida na calçada e aponta a lei para proteger os animais. E acrescenta ainda que o cuidado com o bem-estar animal é uma questão de saúde pública.

A professora Isabel Aparecida Mantovani comenta que é comum entre os protetores ter que enfrentar a resistência da comunidade. “Tem quem ameaça abrir processo, destrói os objetos, joga fora os potes, briga, xinga, já passamos por muita situação desagradável. Eles acham que porque a gente alimenta, mais pessoas abandonam, mas não é assim, as pessoas sempre abandonaram, mas antes esses animais estavam invisíveis”, defende.

Para ela, a conscientização é um processo que já teve avanço e que mais pessoas estão engajadas. “Hoje tem muitos lugares, como empresas, comunidades, condomínios que adotam um animal que é cuidado pela comunidade, eu acho que aos poucos as coisas estão melhorando”, argumenta.

Imagem ilustrativa da imagem Cães comunitários unem população da Warta; conheça as ações
| Foto: Laís Taine - Grupo Folha

Além da ajuda aos animais, a própria população local passa por processo de educação. “É interessante, porque acaba educando também a comunidade, porque outros vão vendo os exemplos e acabam se engajando e se sensibilizando, acho que com o passar do tempo vai mudar o comportamento das pessoas ao redor, é uma forma de sensibilizar a comunidade”, argumenta.