A rede escolar municipal de Londrina chegou a se destacar como uma das  que mais lia livros no país
A rede escolar municipal de Londrina chegou a se destacar como uma das que mais lia livros no país | Foto: Celso Pacheco 15/06/2014

No último dia 17, a Secretaria Municipal de Educação publicou as orientações gerais para as escolas municipais referente ao ano letivo de 2022. Entre as mudanças, um tópico que tem sido bastante polêmico diz respeito aos espaços de sala de leitura e sala de multimídia. O texto, assinado pela secretária municipal de Educação, Maria Thereza Paschoal de Moraes e pela diretora pedagógica Mariangela de Sousa Prata Bianchini, orienta que esses espaços deverão ser explorados e utilizados por todos os regentes e serão de responsabilidade de todos, o que na prática, segundo o professor Gláudio Renato de Lima representa o uso das bibliotecas e salas de informática como salas de aula.

O trabalho com a Mediação de Leitura acontecerá com empréstimo de livros e com a contação de histórias na forma presencial, a cada quinzena. A contação de história e mediação de leitura não ficará somente sob a responsabilidade do profissional que era designado para essa função, pois ela acontecerá por meio de vídeos produzidos pela equipe do Palavras Andantes Virtual e o professor da turma ficará responsável para acessar e trabalhar em sala de aula.

Palavras Andantes agora acontecerá por meio de vídeos produzidos pela equipe do Palavras Andantes Virtual .
Palavras Andantes agora acontecerá por meio de vídeos produzidos pela equipe do Palavras Andantes Virtual . | Foto: Divulgação/SME

Diante dessas orientações, o professor Gláudio Lima disse que elas acabam com o professor de tecnologias e de biblioteca de uma só vez. Ele disse que a prefeitura de Londrina possui há alguns anos um projeto chamado “Bibliotecas Escolares: Palavras Andantes”, que anos atrás foi selecionado entre mais de 2 mil inscritos de todo o país no Prêmio Vivaleitura, programa do Ministério da Educação que incentiva a formação de leitores em todo o país.

“Londrina chegou a ter a rede escolar que mais lia. Com essas orientações, a prefeitura acabou com esse projeto e junto com ele acabou com o projeto de professor mediador de tecnologias também e inclusive fechou várias bibliotecas nas escolas. Elas foram transformadas em salas de aula. Na escola onde estou os livros viraram um amontoado. Estão encaixotados."

A secretária de Educação garantiu que o projeto Palavras Andantes não será cancelado. “Todos os professores devem trabalhar a leitura com os alunos. Todos eles são mediadores de leitura. Nós estamos focados neste momento na recuperação de conteúdos. As orientações para o ano de 2022 contemplam que os professores serão regentes de sala ou os professores serão auxiliares para substituir ou para que possam apoiar os alunos, inclusive com a leitura, inclusive desenvolvendo o projeto Palavras Andantes. Nós estamos no momento de redistribuição dos quadros de professores e alocação de turmas. Isso tudo é normal nesse processo.”, declarou.

Ela afirmou que se os livros foram encaixotados, é preciso descobrir em qual escola isso ocorreu. “Porque essa não é a orientação. A recomendação é a de levar o livro para a sala de aula. Em alguns a gente teve sim que fazer a readaptação para atender as turmas”, afirmou. Segundo as novas orientações da secretaria, em 2022 haverá um novo formato para a mediação de leitura e tecnologia, onde não mais será considerado um cronograma rígido de atendimento e, sim, deverão ser introduzidas novas possibilidades. Nas novas orientações, as atribuições do auxiliar de período serão englobadas pelas ações de Mediação de Tecnologia (TDICs) e Mediação de Leitura (Palavra Andantes).

Segundo Lima, o projeto tinha um professor dedicado e que agora servirá como professor auxiliar ou professor regente. "Em uma das escolas em que eu trabalho, por exemplo, a professora chegou a fazer um minarete na entrada da escola quando foi trabalhar as Mil e Uma Noites e ela se vestiu de odalisca para ler história. O mesmo aconteceu com uma história de Monteiro Lobato e ela se vestia de Emília. Havia todo um processo de contação de histórias e as crianças entendiam isso e levavam os livros para casa. O projeto é muito rico, mas acabou porque o professor auxiliar fazia esse processo de contação de história no tempo vago, mas agora não pode fazer mais.”

Sobre a orientação relacionada à organização da mediação de tecnologia e mediação de leitura, o texto da secretaria diz que o trabalho com a mediação de tecnologia será de orientar os professores para que ele seja capaz de utilizar as novas tecnologias em sala de aula e criar estratégias para fomentar o uso das tecnologias digitais no contexto escolar. O texto diz ainda que o atendimento direto ao professor deverá ser planejado por unidade escolar conforme necessidade de seus docentes, de modo que professores com menos habilidades no uso das tecnologias digitais recebam mais atenção e orientação.

“Eu sou professor de tecnologia na rede e têm vários estudos dizendo que a tecnologia é que vai ajudar a diminuir a defasagem de aprendizado das crianças que ficaram tendo aulas remotamente”, declarou Lima. “Na questão de tecnologia, este ano a gente fez vários cursos e adaptava as aulas para os alunos. Por exemplo, a gente gamificava (transformava em jogos) as atividades de conteúdo. Enfim, isso tudo foi jogado debaixo do tapete”, declarou. Segundo ele, essa confusão foi provocada por falta de planejamento. “Foi feita seletiva de professores agora e não se conseguiu suprir a demanda”, declarou.

Criador do Palavras Andantes vê consequência `nefasta´ na mudança do projeto

O criador do projeto Palavras Andantes, Rovilson José da Silva, diz que o Palavras Andantes já está há 19 anos na administração municipal e pertence à educação de Londrina. "Eu acredito que cada mãe, cada pai ou responsável que coloca uma criança nas escolas da rede municipal confia na educação e no trabalho da educação. Todos sabem que a escola tem uma sala de biblioteca.”

Ele ressaltou que os professores que participam do projeto há muitos anos vêm recebendo treinamento e formação para atender especificamente a criança com a leitura. “Em um período como esse, em que as crianças retornam praticamente de dois anos sem ter o acesso direto ao livro, se ela permanecer sem esse acesso pode ser nefasto.”

Silva explicou que o Palavras Andantes trabalha com a readequação e na transformação da biblioteca para se tornar um instrumento pedagógico importante na constituição da criança; na formação da criança como leitora como futura pesquisadora e que ela não só utilize isso durante as aulas, mas que ela tenha acesso em outros momentos; na formação desse professor específica e com cursos específicos como instrumento para dar essa continuidade da formação do leitor; na criação da Hora do Conto, que é um momento em que o professor pedagogicamente se organiza com um encontro da criança na biblioteca. “Neste momento há uma conversa, uma troca de ideias, com argumentação e contra argumentação. É uma experiência riquíssima para quem está na construção e na apropriação tanto da da leitura quanto da escrita”, destacou Silva.

"Acredito que agora, se em algum momento isso foi diminuído das crianças, isso será uma perda irreparável", declarou. Sobre a troca das sessões da Palavra Andante presenciais para o virtual, Silva expõe que para formação da criança pode ser algo extremamente danoso e prejudicial. “A criança já teve muito do virtual e este é um momento para criança estar com essa mediação, com essa conversa junto a um professor que medeia com o material escrito nos diversos suportes. Com a exibição de vídeos a gente corre o risco de ampliar as desigualdades.”

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