Há um adágio popular que diz: “Achado não é roubado, quem perdeu foi relaxado.” Mas para o barbeiro Kleber Alves, de Apucarana (Centro-Norte), a boa educação e a ética falam muito mais alto que essa máxima. Há poucos dias, Alves tinha acabado de estacionar o carro na Praça Rui Barbosa, no centro da cidade, para ir à Caixa Econômica Federal, quando achou R$ 600 em uma sacola, com documentos da verdadeira dona. Na tentativa de achar a dona, ele resolveu gravar um vídeo ali mesmo para publicar em suas redes sociais. “Falei o nome dela e a quantia em dinheiro no vídeo”, relatou. Logo a mensagem se espalhou. As pessoas passaram a compartilhar a mensagem pela internet.

Kleber Alves conta que também passa por dificuldades financeiras: "Mas em nenhum momento pensei em ficar com a soma”
Kleber Alves conta que também passa por dificuldades financeiras: "Mas em nenhum momento pensei em ficar com a soma” | Foto: Acervo pessoal

“Eu acredito em um mundo melhor. Eu já perdi dois aparelhos de telefone celular e as pessoas que acharam me devolveram. Um dos aparelhos ainda era novo, tinha menos de um mês de uso, e eu ainda não havia pagado a primeira parcela. Pois o rapaz que achou me devolveu. Claro que o nosso mundo tem pessoas ruins e maldosas, mas acredito que tem muito mais pessoas boas”, afirmou.

Ele ressaltou que tomou essa atitude motivado pela educação que seus pais lhe deram. “Nesse mundo não somos nada. Não adianta tentar tomar proveito das coisas dos outros. O que é da gente é da gente e ninguém tira. Meu pai dizia para não desejar crescer na vida passando os outros para trás”, ensinou.

Pelo valor e pela proximidade com a agência da Caixa, Alves logo supôs que a pessoa tinha sacado o auxílio emergencial pago pelo governo federal. “Provavelmente a pessoa sacou o auxílio e acabou perdendo. Se alguém souber de quem é o dinheiro, por favor, é só me procurar na minha barbearia", gravou no vídeo.

icon-aspas "A gente chorou junto, mas vi que ela está precisando desse dinheiro mais do que eu"

NO SUPERMERCADO

Enquanto isso, a dona do dinheiro nem tinha ideia que havia perdido a sacola com seus pertences. Segundo Alves, ela foi ao mercado comprar alimentos. Depois de separar pacotes de arroz e feijão, foi ao caixa fazer o pagamento e não achou o dinheiro. “Foi quando ‘caiu a ficha’. Ela começou a chorar e entrou em desespero”, contou o barbeiro. A mulher contou ao funcionário do estabelecimento que havia perdido o dinheiro e, por sorte ou por essas coincidências que ninguém sabe explicar, o funcionário tinha assistido o vídeo de Alves. “Ela achou que fosse brincadeira do funcionário, não acreditava que alguém que encontrasse o dinheiro pudesse devolvê-lo."

EMOÇÃO DA DEVOLUÇÃO

Incrédula no início, a mulher, que pediu para não ter seu nome divulgado, foi até a barbearia de Alves e quando viu que a intenção de devolver o dinheiro era real, se emocionou. Ela abraçou o barbeiro e confidenciou que não tinha mais esperança de encontrar o dinheiro. Mesmo passando dificuldades, quando viu que a situação econômica do barbeiro também está difícil, quis oferecer R$200 como agradecimento. “Eu não aceitei. O dinheiro é dela. A gente chorou junto, mas vi que ela está precisando desse dinheiro mais do que eu. Quando a pandemia passar vou retomar os clientes da barbearia”, justificou. A mulher, segundo ele, vende balas no centro da cidade.

EXEMPLO DO PAI

O barbeiro conta que o movimento de clientes caiu 70% por causa do coronavírus. "As pessoas não estão tendo dinheiro para cortar o cabelo ou têm medo de vir cortar o cabelo e se contaminar. Eu tenho família- esposa e filhos- e meu aluguel é caríssimo. Não estou conseguindo pagar o aluguel. Mesmo precisando do dinheiro, em nenhum momento pensei em ficar com a soma”, garantiu.

Ele conta que sua família o apoiou o tempo todo. Seu pai se emocionou quando viu o filho em uma reportagem na TV. “Meu pai sempre falou que a dignidade de uma pessoa é tudo. Ser digno perante o homem e perante Deus", acrescentando que ouviu de seu pai: "Quem planta colhe. Plantei e sabia que ia colher um filho com honestidade." Alves tem uma filha de sete anos e um filho de 10. “Eles ficaram sem reação. Meu filho falou que se fosse outra pessoa não devolveria, mas eles e meus sobrinhos têm que crescer com esse exemplo”, destacou.

“Eu espero que esse episódio amadureça o coração de muitas pessoas. Ouvi muitas pessoas dizerem que não devolveriam o dinheiro. Eu acredito em um mundo melhor”, reforçou.

icon-aspas Meu pai sempre falou que a dignidade de uma pessoa é tudo. Ser digno perante o homem e perante Deus"

O QUE DIZ A LEI

Embora achar coisa perdida e não devolvê-la não configure roubo ou furto, o fato é que a situação também é ilegal e configura outro tipo penal. Trata-se do crime denominado de "apropriação de coisa achada". Quem não restituir no prazo de 15 dias o objeto encontrado para o dono, o legítimo possuidor ou a autoridade competente está sujeito à detenção de um mês a um ano, ou multa. O delegado irá lavrar um auto de arrecadação especificando o objeto encontrado e remeterá ao juízo competente, que irá publicar um edital.

Caso o legítimo dono apareça, deverá provar que é o dono da coisa para poder retirar a coisa. Nesse caso, há possibilidade do pagamento de uma recompensa para aquele que achou o bem.

Caso o legítimo dono não apareça no prazo de sessenta dias, o objeto será levado a leilão. O dinheiro recebido irá pagar as custas e a indenização para aquele que achou. O restante será entregue ao município em que o bem foi encontrado.

(serendip)