O Assentamento Santa Maria, localizado a menos de cinco quilômetros da cidade de Paranacity (51 quilômetros ao Norte de Paranavaí), é modelo em produção e abriga atualmente 20 famílias, apesar de o projeto inicial ser para 25 famílias. Mesmo com a melhoria na qualidade de vida dos assentados, muitas famílias não conseguem viver dentro de um sistema coletivo e abandonam a área em busca de outras terras. Das 20 famílias que vivem atualmente no assentamento, só 13 estão desde a ocupação da área, em 19 de janeiro de 1993.
Doze famílias preferiram se transferir para outros acampamentos onde o objetivo final era a conquista de um lote individual de terra. As pessoas que continuam no assentamento afirmam que não entendem a escolha das que deixaram a área. ‘‘Juro que não entendo por que elas deixaram o assentamento’’, diz Waldir Luiz Rech, 39 anos, que está no Santa Maria desde 1996 para cobrir a vaga deixada por uma família. ‘‘Talvez estas famílias não tenham entendido a proposta do sistema coletivo e não se adaptaram’’, arrisca Célia Souza Soares, 25 anos. Célia está no assentamento desde 1993. Ela morava em Cascavel e ajudou a elaborar o projeto de assentamento coletivo que foi implantado em Paranacity.
A não-adaptação das famílias, entretanto, não significa que a vida no Santa Maria seja das piores. Mas segundo as pessoas que continuam no local, é muito melhor que a vida que tinham antes. Sob o lema ‘‘A ordem é ninguém passar fome’’, as famílias seguem uma rotina de trabalho que começa nas primeiras horas do dia. Todo serviço é dividido em setores e há as pessoas já designadas para cumpri-lo. A escolha das pessoas para executar este ou aquele serviço é feita de acordo com a aptidão individual e também com a necessidade da realização do trabalho.
Marcos NegriniCooperativa dispõe de uma usina de pasteurização de leiteA idéia do coletivo foi apresentada pelas próprias famílias que ocuparam a área em 93, vindas da região Sudoeste do Estado. Elas se mudaram para o Noroeste porque sabiam que a área estava desapropriada (mas continuava arrendada para uma usina da região). Depois de dois anos de ocupação, as famílias receberam a imissão de posse. O Incra desenvolveu um projeto específico de assentamento a pedido das famílias, que visava o sistema coletivo. Logo que tiveram a situação regularizada, as famílias criaram a Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória (Copavi).
‘‘Enfrentamos dificuldades porque toda agricultura do País passa por dificuldades, mas não posso reclamar da vida aqui no assentamento’’, diz Waldir Rech. Ex-diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Dois Vizinhos e ex-diretor da Associação dos Estudos, Orientação e Assistência Rural (Assesoar), Rech diz que a vida no assentamento é ‘‘interessante’’ pelo próprio sistema de coletivo. Desde que se mudou para a área, ele se tornou um dos responsáveis pela horta. Adepto da medicina natural, trocou os fertilizantes por produtos naturais e revela que passa boa parte do tempo fazendo o que mais gosta: cuidando das plantas.
Além da horta, com 15 variedades, o Santa Maria produz atualmente 500 cestas de alimentos incluindo carne, frutas, verduras, leite e doces. As cestas são comercializadas em Paranacity e em Cruzeiro do Sul. Nos 98 alqueires da área também há plantação de café, mandioca, banana e área de pastagem. No setor de pecuária, a Copavi tem 200 cabeças de suínos e quatro mil frangos. Os animais são abatidos no local, em abatedouros aprovados pela Vigilância Sanitária. No assentamento também está instalado o laticínio da cooperativa, onde são pasteurizados e embalados cerca de 600 litros de leite por dia. O laticínio tem capacidade para produzir cinco mil litros de leite/dia.
Num futuro próximo, os associados da Copavi pretendem instalar uma indústria de doces cristalizados. Um barracão projetado para receber energia solar está sendo construído no assentamento com recursos vindos da Espanha, através de uma parceria entre a Universidade Estadual de Maringá (UEM) e a Universidad Politécnica de Catalunya. Também será inaugurado, em breve, o supermercado da Copavi. No local serão comercializados entre 30 a 40 produtos, todos provenientes do assentamento. Além do leite, carne e verduras, serão comercializados doces, pães e melado de cana-de-açúcar.
Todas as crianças estão na escola e 11 adultos também voltaram aos bancos escolares. Entre os adultos, quatro estudam em Paranacity, onde cursam o 1º e o 2º graus do ensino regular. Quatro adultos fazem supletivo em Colorado e três cursam o nível superior na Faculdade de Ijuí (RS), Faculdade de Paranavaí e Universidade Estadual de Maringá. Os estudos são pagos por um fundo da cooperativa.
Ligados ao MST, os assentados participam das caminhadas em favor da reforma agrária. ‘‘Enquanto tiver um trabalhador rural sem terra, vamos ajudar o movimento a conquistar um pedaço de terra para ele’’, diz Waldir Rech. A Copavi também destina uma parte dos recursos para o MST. Atualmente, segundo Rech, a dívida da cooperativa com o Banco do Brasil é de R$ 380 mil. Já o patrimônio do assentamento é de R$ 700 mil.
Problema superado Quando as 25 famílias ocuparam a área do Assentamento Santa Maria, criaram um clima nada amistoso com a Prefeitura de Paranacity e com um grupo de trabalhadores rurais que já pleiteavam a área. A prefeitura e os sem-terra do município exigiam uma ação do Incra para a retirada das 25 famílias. Depois de muita discussão e resistência do grupo que vinha da região Sudoeste do Estado, os sem-terra chegaram a um acordo com o Incra que acomodou os reclamantes em outras áreas.
Justamente por causa do clima nada favorável às 25 famílias - consideradas pela comunidade de Paranacity como verdadeiras invasoras - a ordem principal no assentamento era criar mecanismos para integração com os moradores da região. Como não havia muito o que se fazer na propriedade até a imissão de posse e liberação de recursos para o plantio, as 25 famílias começaram a participar de campeonatos de futebol e de outras atividades.
Aos poucos, a comunidade de Paranacity deixou de lado o clima de oposição às famílias e hoje as recebe com grande receptividade. ‘‘Ainda temos pessoas que não simpatizam com a gente porque, afinal, a gente passou a produzir alimentos e ser mais um concorrente dos muitos comerciantes da cidade’’, afirma o ex-diretor do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Dois Vizinhos e ex-diretor da Assesoar, Waldir Luiz Rech.