Um problema antigo voltou a colocar em conflito comerciantes da região central e pessoas em situação de rua, em Londrina. Segundo a Acil (Associação Comercial e Industrial de Londrina), lojistas do Calçadão têm sofrido com a sujeira e a intimidação por parte de algumas pessoas que ‘moram’ nos arredores do passeio público, assim como conflitos após se negarem a dar dinheiro ou alimento.

Ângelo Pamplona, presidente da Acil , explica que os comerciantes da região central relatam que algumas pessoas em situação de rua fazem suas necessidades fisiológicas em frente às lojas, obrigando os comerciantes a fazerem a limpeza. Além disso, por conta de bebidas e drogas, muitos deles ficam alterados e, com isso, não aceitam um ‘não’ como resposta, após um pedido por comida ou dinheiro. “Eles fazem a abordagem de mulheres na rua, elas acabam se sentindo intimidadas e ficam mais vulneráveis em ceder ao que eles estão pedindo, o que acaba trazendo reflexos não só para o lojista, mas como para a população de um modo geral”, ressalta.

Esse cenário, de acordo com Pamplona, contribuiu também para que os consumidores evitem circular pelo Calçadão e demais vias da região central, principalmente após às 18h, que é quando as lojas começam a fechar. “A gente não generaliza porque não são todas [as pessoas em situação de rua], mas algumas são mais insistentes e as pessoas acabam tendo um receio de vir para a rua”, reforça.

UNIÃO DE FORÇAS


Secretária de Assistência Social de Londrina, Jacqueline Micali explica que, atualmente pelo menos mil pessoas estão em situação de rua na cidade, sendo que o perfil dessas pessoas mudou com a pandemia. Micali explica que pelo menos 33% das pessoas que estão em abrigos ou repúblicas têm casa e família, sendo que as causas para o abandono do lar podem estar ligadas ao tempo que as pessoas passaram em isolamento e a falta de vínculos familiares e comunitários. “É isso que está fazendo as pessoas permanecerem na rua, não é mais simplesmente uma questão de renda”, ressalta.

Segundo a secretária, a falta de vínculos familiares e as brigas, que levam essas pessoas para as ruas, começam pelo uso descontrolado de substâncias, como as drogas, e por problemas psiquiátricos. “Todas essas brigas familiares e toda essa questão de fragilização dos vínculos são [causadas] pelo uso de substâncias”, afirma.

Citando o projeto ‘Trilha da Cidadania’, Micali pontua que o maior desafio é a pessoa que não aceita permanecer nos abrigos por conta dos vícios ou dos problemas psiquiátricos. Segundo ela, foi feito um trabalho para diminuir o número de pessoas em situação de rua em pontos do Calçadão, como a Concha Acústica, mas muitos ainda permanecem por conta do tráfico de drogas.

“No Calçadão, nós estamos todos os dias, nós abordamos [as pessoas] todos os dias, mas nós não retiramos as pessoas à força, nós não podemos fazer isso”, pontua. Durante as abordagens, segundo ela, são ofertados diversos serviços para que essa pessoa aceite sair das ruas e vá para os abrigos.

Entretanto, a secretária reforça que a Assistência Social não pode fornecer tratamentos para problemas psiquiátricos ou para o vício em drogas. Nesse ponto, ela afirma que o serviço precisa ser organizado em uma rede, envolvendo pastas como a da Saúde. “Depois, com a pessoa estabilizada e em tratamento, sim, a partir daí é com a Assistência [Social]”, ressalta, complementando que a pasta não pode fazer a abordagem de pessoas de rua que cometem infrações, como no caso dos lojistas, já que esse trabalho fica a cargo das forças de segurança.

Segundo Micali, um problema identificado foi que muitos comerciantes entregam marmitas para essas pessoas, sendo que a recomendação é de não oferecer comida ou dinheiro, já que isso contribui para que elas permaneçam em situação de rua. Em muitos casos, as marmitas são trocadas por drogas ou álcool.

ACOLHIMENTO

De acordo com a pasta, Londrina tem 17 espaços voltados para o acolhimento de pessoas, que hoje abrigam mais de 400 pessoas, sendo que pelo menos 33%, de acordo com os dados mais recentes, têm família e casa. “Dentro do acolhimento, ele vai receber atendimento com a assistente social, com o pedagogo, ele fazer uma ‘Trilha da Cidadania’, então nós vamos ver se ele tem documentação, nós vamos fazer contato com essa família, nós vamos tentar de novo o vínculo familiar, nós vamos dar passagem para ele ir embora se a família não for daqui”, detalha.

Nesse momento, segundo Jacqueline Micali, trabalhar em cima dessa questão envolve a criação, em nível nacional, de políticas públicas voltadas aos cuidados com a saúde mental. Ela afirma que abrir apenas vagas em abrigos não vai trazer uma solução para os problemas e que, por isso, desde o ano passado vem sendo discutido com a Saúde a criação de um espaço conjunto para fornecer o atendimento médico e, na sequência, o assistencial. “Não adianta mais a gente pensar na população em situação de rua em um política só, tudo o que for criado precisa ser em conjunto”, afirma.

RAIZ DO PROBLEMA

A vereadora e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Vereadores de Londrina, Lenir de Assis (PT), esteve em Brasília na semana passada e levou as demandas da cidade no que diz respeito à população em situação de rua ao Ministério de Direitos Humanos.

Segundo ela, a diretriz é tratar essa questão a partir da articulação de várias políticas públicas, que começa na busca pela causa dos problemas. “Precisamos de um diagnóstico que nos mostre quem são estas pessoas, quais os motivos que as levaram para as ruas: vulnerabilidade social, falta de trabalho e renda, falta de moradia, saúde mental comprometida por diferentes fatores, rompimento dos vínculos familiares. Temos que ter estas informações detalhadas para definir de forma assertiva as ações”, afirma.

Como as causas são diversas, a vereadora ressalta que apenas uma política pública não dá conta do problema, sendo necessária a articulação entre diversas políticas públicas, abrangendo a Assistência Social, a Saúde, o Trabalho e Renda, a Moradia, a Segurança Pública, a Segurança Alimentar e a Defesa Social.

“É uma situação bastante complexa e que precisa ser enfrentada por todas as políticas para garantir dignidade às pessoas em situação de rua, à população que circula pela cidade, aos comerciantes que convivem com uma condição que dificulta muito o dia a dia de seu estabelecimento e que têm o direito de trabalhar em condições adequadas”, reforça. A partir de agora, Assis aponta que o próximo passo será uma conversa com o prefeito, secretários, vereadores e toda a população para debater o assunto.