Neusnari Proença narra todas as cenas para a filha Gabriela:  "Ela fala quando uma cena está bonita. Eu vou montando na minha cabeça essa imagem de acordo com o que ela vai falando"
Neusnari Proença narra todas as cenas para a filha Gabriela: "Ela fala quando uma cena está bonita. Eu vou montando na minha cabeça essa imagem de acordo com o que ela vai falando" | Foto: Marcos Zanutto - Grupo Folha

Pare um instante e observe a cena que está à sua frente. O que está acontecendo? Quantos e quais objetos você vê diante de seus olhos? Quantas cores consegue identificar? Essa observação, simples para muitas pessoas, não é possível para todo mundo. No fim do mês passado, em votação popular, a palmeirense Silvia Grecco recebeu o prêmio da Fifa de melhor torcedora por ir ao estádio com o filho Nickollas, 12, que é deficiente visual, e narrar para ele os lances das partidas. A premiação chamou a atenção, mais uma vez, para a integração das pessoas com deficiência e dar visibilidade às necessidades desse público.

Gabriela Rodrigues Vieira, é uma estudante de 15 anos que está no 9º ano do ensino fundamental, e possui amaurose congênita de Leber. Trata-se de uma doença degenerativa hereditária rara que provoca alterações graduais na atividade elétrica retina. Tudo o que essa garota londrinense consegue enxergar são vultos. Diante disso, quem a auxilia descrevendo tudo que se passa à sua volta é a mãe, a dona de casa Neusnari Rodrigues Proença, 45. “Eu já narrei muitas cenas da TV, como desenhos animados, filmes, entre outros programas”, relata.

Proença conta que no começo foi difícil se acostumar a narrar todos os detalhes, ao mesmo tempo sempre achou muito importante repassar a ela tudo o que estava vendo.Ela também descreve em detalhes cenas interessantes, como um passeio no parque. “Eu acho importante fazer isso para o desenvolvimento dela”, destaca a mãe da estudante, que participa de atividades no Instituto Roberto Miranda, voltado para pessoas com baixa visão ou cegas

Gabriela conta que gosta quando a mãe descreve como estão as flores ou relata quando os ipês estão floridos. “Mas o que eu mais gosto é quando a minha mãe descreve as cores. Ela fala quando uma cena está bonita. Eu vou montando na minha cabeça essa imagem de acordo com o que ela vai falando. Isso é importante porque me ajuda a saber as coisas. Ela me coloca no lugar em que ela está”, aponta.

Quando vai em lojas, pergunta à mãe o que são cada um dos produtos. "As indústrias poderiam auxiliar mais, criando embalagens em braille e com informações em alto relevo. Os supermercados, por exemplo, poderiam colocar preços em braille. Se tivessem informações assim sobre a data de validade e os ingredientes dos produtos seria muito importante”, destaca a mãe.

O diretor do instituto, Márcio Rafael da Silva, conta que ele já passou por um caso parecido com o de Grecco, em 2014. "Eu fiz a descrição de um jogo da Copa do Mundo, entre o Chile e a Espanha, no Maracanã, acompanhando um aluno que tem deficiência visual", relembra. Há também um outro caso de aluno do instituto que foi ao jogo do São Paulo, no Morumbi, acompanhado pela mãe.

Imagem ilustrativa da imagem Acessibilidade em foco
| Foto: Marcos Zanutto - Grupo Folha

Silva conta que a situação é muito comum entre pais de pessoas com deficiência. “As pessoas com deficiência de visão não possuem lateralidade e percepção espacial. Os pais se sacrificam e abdicam da própria vida para auxiliar os filhos até que eles tenham autonomia. Aqui no instituto temos vários pais dedicados que conseguem passar esse carinho para seus filhos”, observa. “A premiação da Fifa foi importante para dar visibilidade ao assunto".

Andréa Alves dos Reis Floriano, 44, é mãe de Yasmin, estudante do 7º ano do ensino fundamental de 13 anos que possui baixa visão e que também frequenta o Instituto Roberto Miranda. “Ela não enxerga nada nítido. Na televisão, fica ouvindo os atores conversando, mas quando tem silêncio nas cenas, eu descrevo o que está acontecendo para ela entender a narrativa”, destaca. Floriano observa que muitas pessoas não possuem noção das dificuldades que um deficiente visual passa. “É preciso acessibilidade nos lugares. Tudo é feito para quem tem visão”, critica.

Segundo o diretor do instituto, as principais barreiras que as pessoas com deficiência enfrentam são mais relacionadas às atitudes dos outros do que as barreiras arquitetônicas. “É preciso ver a pessoa com deficiência como uma pessoa normal, que tem total condições de ser inclusa na sociedade. É só uma característica da pessoa. Nós também passamos por dificuldades. Todo mundo precisa da ajuda de alguém em algum momento da vida”, destaca Silva. Ele expressa que aumentar a visibilidade da comunidade formada por pessoas com deficiência ajuda a sociedade a se informar sobre as necessidades desse público.