Cerca de 40 mil veículos passam pela ponte diariamente, além de 15 mil pedestres
Cerca de 40 mil veículos passam pela ponte diariamente, além de 15 mil pedestres | Foto: iStock

2019 marca os 60 anos do início das obras da Ponte Internacional da Amizade, em Foz do Iguaçu (Oeste), que liga o Brasil ao Paraguai. A construção começou em 1º de janeiro de 1959, durante o governo Juscelino Kubitschek, no Brasil, e do presidente paraguaio Alfredo Stroessner. A obra foi edificada sobre o rio Paraná, entre Foz e Ciudad del Est em uma região de mata fechada, o que tornou o desafio ainda maior. A ponte tem 552 metros de extensão e altura média de 78 metros em relação à superfície do rio, e a estrutura em arco foi proposital, para não obstruir a navegação em portos próximos.

O desejo do Paraguai de ter acesso ao Oceano Atlântico era antigo, desde o século 19, quando o ditador Francisco Solano López tentou conseguir isso à força, o que resultou na Guerra do Paraguai. No entanto, foi após a queda do presidente argentino Juan Domingo Perón, na década de 1950, que a ligação entre o Brasil e o Paraguai começou a ganhar forma. Até aquela época a saída dos produtos do Paraguai pelo Rio da Prata dependia de um frete excessivamente caro, o que tornava suas exportações pouco competitivas.

O professor de história Waldson de Almeida Dias Júnior fez, em sua dissertação do Mestrado Interdisciplinar em Estudos Latino-Americanos da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), um resgate sobre as representações e relações do Brasil e do Paraguai durante o período de construção da ponte (1956-1965). “No período da era (Getúlio) Vargas, no início da década de 1940, um dos objetivos era beneficiar o Paraguai com a saída para o mar pelo Porto de Paranaguá e para isso era preciso uma ponte. Era o período chamado Marcha para o Oeste, em que Vargas desejava reforçar as fronteiras”, destaca.

Segundo ele, posteriormente, no governo Juscelino Kubitschek, “há resquícios dessa politica de fortalecimento das fronteiras em seu plano desenvolvimentista e o alinhamento do Brasil com o Paraguai fortaleceu sua imagem como líder da política latino-americana”, enaltece. Ele aponta que um dos fatores de aproximação entre o general Stroessner e o presidente JK foi o fato de o militar paraguaio ter vivido no Brasil entre 1940 e 1941, quando ainda era capitão, e participou de cursos promovidos pelo Exército Brasileiro.

O tratado de construção da ponte foi assinado em 29 de maio de 1956 e no dia 14 de novembro do mesmo ano foi criada a comissão encarregada do projeto e execução da obra, que ainda não tinha nome. Dias Júnior explica que o primeiro ciclo migratório de Foz do Iguaçu ocorreu com a instalação da Vila Militar, em 1888, e a construção da ponte se tornou o segundo fluxo migratório. De acordo com informações do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura ) foram utilizados 250 trabalhadores (150 no lado brasileiro e 100 no lado paraguaio), mas acredita-se que a obra deve ter gerado milhares de empregos indiretos no seu auge. “Ainda tivemos mais um grande ciclo, com a construção de Itaipu”, destaca Dias Junior.

Segundo o professor, em sua pesquisa não foram encontradas reportagens sobre como aconteceu o deslocamento das comunidades e povos que habitavam as margens do rio Paraná para outros locais, em especial as populações ribeirinhas e indígenas. Tampouco foram encontrada reportagens sobre o impacto ambiental da obra. Vale lembrar que houve a construção de uma estrada que precedeu a inauguração da ponte. Ele ressalta que a ideia de preservação era diferente dos dias de hoje. “O que se vê daquela época são reportagens de exaltação do que está sendo feito”, aponta.

Cerimônia de bênção da Ponte da Amizade, ligação entre Foz e Ciudad del Este,  com a presença do então presidente da República, Castelo Branco, e o general Alfredo Stroessner Matiauda, presidente do Paraguai
Cerimônia de bênção da Ponte da Amizade, ligação entre Foz e Ciudad del Este, com a presença do então presidente da República, Castelo Branco, e o general Alfredo Stroessner Matiauda, presidente do Paraguai | Foto: Estadão Conteúdo

Quando começou a pesquisar, imaginava que não ia encontrar muito material sobre a ponte, por ser uma obra no interior do Paraná. “Havia outras questões importantes para se discutir no Brasil e achei que não teria a riqueza de materiais que encontrei. As reportagens entre os anos 1950 e 1960 apontam essa ponte como uma obra moderna, desenvolvimentista e de alta tecnologia, que mudaria todo o cenário da região. Hoje ela está atrelada à informalidade, ao crime organizado e à ideia de atraso”, destaca.

Durante a sua construção, o engenheiro Tasso da Costa Rodrigues, que coordenava a realização dos estudos, acabou morrendo afogado, ao cair do barco que dava apoio aos trabalhos.

INAUGURAÇÃO SIMBÓLICA

No último ano de mandato de Juscelino Kubitschek, em 1961, ele e Stroessner fizeram uma inauguração simbólica da ponte com a obra inacabada. Nesse período os presidentes caminharam sobre andaimes de madeira. A liberação para o trânsito de veículos aconteceu no ano seguinte, em 1962, mas devido às turbulências políticas da época foi só no dia 27 de março de 1965 que o presidente brasileiro Humberto Castelo Branco e o presidente paraguaio Alfredo Stroessner inauguraram oficialmente a ponte. Naquele ano circularam em torno de 100 veículos por dia. Atualmente passam 40 mil veículos por dia, dos quais 600 são caminhões, e 15 mil pedestres.

Segundo Dias Junior, existe uma vida social sobre a ponte que precisa ser mais pesquisada. “Temos povos das mais diversas etnias, de diferentes países, classes sociais e com diferentes opções e opiniões. De algum modo essas pessoas se relacionam e convivem. Além dos turistas, existem os paraguaios que trabalham no Brasil e brasileiros que trabalham no Paraguai”, aponta.

Ele destaca que existe uma pseudo harmonia e um pseudo convívio. “Da integração surgem conflitos e isso desperta preconceitos, pré julgamentos e ideias diferentes. Quem atravessa a ponte acha que do outro lado encontra uma realidade alternativa”, destaca. “A ponte mudou os costumes de lado a lado. Primeiro dentro da cultura, pelo modo de agir. Quem vive em Foz possui muitas semelhanças com aquele que vive no Paraguai, seja no modo de falar, no hábito de beber tereré ou de comer uma chipa. Isso precisa ser valorizado”, destaca.

BRASIGUAIOS

O professor adjunto da Unila (Universidade Federal da Integração Latino-Americana), Micael Alvino da Silva , doutor em História Social pela USP (Universidade de São Paulo), minimiza o fato de o presidente paraguaio Alfredo Stroessner ter recebido treinamento militar no Brasil como fator que aproximou os dois países. “Vejo Stroessner como um político idealista e desenvolvimentista. A aproximação com a política brasileira para o setor de energia elétrica é pragmática e a exportação e importação de produtos agrícolas e a modernização do setor tem a ver com os brasiguaios, brasileiros que residem no Paraguai e que possuem uma população de 280 mil pessoas”, aponta.

Embora o nome da ponte entre Brasil e Paraguai remeta à amizade, Silva, aponta que ainda há rancor decorrente da Guerra do Paraguai que ainda não foi superado pelos habitantes daquele país. “Com o olhar de historiador, vejo que há um ressentimento que tem explicações históricas. Para os paraguaios, o Brasil dizimou a população masculina que existia em seu País. Assunção foi ocupada pelo Brasil e as fronteiras foram desenhadas quando o Paraguai estava em uma fragilidade enorme. Essa é a conversa que ainda se escuta nas casas das famílias e quando vão para a escola, enquanto no Brasil se dá uma importância mínima a isso nos livros escolares.”

Para o professor, a Ponte da Amizade desenvolveu o leste do País vizinho e conectou o centro do Paraguai ao maior mercado consumidor da América Latina, que é a região Sudeste do Brasil e isso, de acordo com ele, é importante na construção das relações bilaterais. “Eu vejo essa ponte como a mais importante das Américas”, elenca.

O professor da Unila aponta que a ponte já está estagnada. “Chegou a um ponto em que em Foz do Iguaçu ninguém fala como está o trânsito na cidade, mas mencionam como está o trânsito na ponte. Ela atingiu uma proporção muito maior que os estrategistas projetaram a tal ponto de ter a necessidade de outra. Hoje há uma situação de descontrole alfandegário, aduaneiro e migratório no local.”

Imagem ilustrativa da imagem 60 anos do início das obras da Ponte da Amizade
| Foto: iStock

Silva acredita que a nova ponte, cuja construção já foi iniciada e fica a cerca de dez quilômetros da Ponte da Amizade, desviará principalmente os fluxos de carga. “Favorecerá também aqueles que fazem a travessia para trabalhar e estudar. O impacto será grande”, afirma. Questionado se não há a possibilidade de a nova ponte gerar um outro centro comercial, ele diz que dificilmente isso acontecerá. “Não existe mais essa lógica de importar e reexportar para o Brasil. A criação da ponte tem associação com logística e movimentação de cargas, que está ligada à industrialização do Paraguai”, aponta.