Ivo Akio Falta de noção de preferência em contornos, ruas mal sinalizadas, setas que não funcionam, boa dose de incompreensão e extrema ausência de respeito, de atenção e de educação. São ingredientes básicos para fazer de um motorista neurótico um potencial suicida. Ou criminoso.
O condutor de veículo que se enquadra nesta categoria de motoristas costuma jogar a culpa de seus erros e grosserias no trânsito à pressa. Justificativa sonsa e sem nexo. A pressa que ele alega, às vezes, é para chegar a tempo de apanhar a criança na escola, normalmente localizada em rua de elevado tráfego e locais para estacionar.
Resultado: parada em fila dupla e, atrás, congestionamento. Advertido pelas buzinas de quem também tem pressa, irritação e neurose, o motorista se irrita. Esquece que está na frente de uma escola e, principalmente, ao lado de uma criança - seu filho ou sua filha. Dono do volante e do restrito mundo que o cerca - o seu carro, um mundo feito de latas, plásticos, borracha e combustível - ele retruca: desce a mão sobre a buzina, faz gestos obscenos e xinga.
Um estudo desenvolvido pela psicóloga Rosenilse Fava, em conjunto com a Unicamp (Universidade de Campinas), mostra que as mulheres são minoria entre os suicidas - ou assassinos - do trânsito. Normalmente, os neuróticos sobre rodas podem ser respeitados pais de família, empresários de sucesso, líderes religiosos consagrados ou motoristas profissionais. Os erros e as grosserias ao volante não são, também, marcas registradas exclusivas de jovens imaturos e rebeldes.
Quanto às mulheres, a psicóloga revela que a maioria delas quer um carro para ter mais segurança e independência. Diferente de boa parte dos homens, que conforme o estudo de Rosenilse Fava, compra um carro para buscar a auto-realização. Segundo a psicóloga, ‘‘o homem se sente mais poderoso dentro de um carro, ainda mais se for veloz, e alguns costumam descarregar suas neuroses no trânsito’’.
O stress nas grandes cidades faz parte do discurso da chefe do Departamento de Educação no Trânsito carioca, Maria Elizabeth Souza, para dar uma explicação à violência no trânsito. Ela diz que nas estradas o problema se agrava, uma vez que não existem os engarrafamentos para restringir os impulsos agressivos dos motoristas: ‘‘Na rodovia, a pessoa se sente liberada e aproveita para fazer o que não pode na cidade’’, diz.
Outro discurso que raramente chega à prática e normalmente é proferido por renomadas autoridades do trânsito é o da falta de estrutura de fiscalização e punição para os motoristas infratores. Estas deficiência fazem com que no Brasil os suicidas ou assassinos do trânsito saiam impunes de seus delitos, o que os faz proliferar em maior número que nos outros países.
A psicóloga Ligia Cristine Rego, da Divisão de Educação no Trânsito do Detran de Curitiba, ouviu de um motorista em uma aula de reciclagem : ‘‘Se quer matar alguém, mate no trânsito’’. Mas a psicóloga carioca Rosenilse Fava adverte que a colocação de mais guardas de trânsito nas ruas certamente diminuiria os acidentes, entretanto não mudaria a maneira de agir dos motoristas suicidas ou assassinos. Conforme Rosenilse, estes motoristas ‘‘precisam ter mais controle emocional’’. Ela acrescenta: ‘‘A competição tem que dar lugar à cooperação’’.
A psicóloga paranaense concorda e acrescenta que o problema também está ligado à deficiência dos exames psicotécnicos, que aferem as condições psicológicas de quem deseja tirar habilitação para dirigir. Os exames psicotécnicos, conforme Ligia Cristine Rego, além de não serem eficazes, na renovação da carteira de habilitação só são obrigatórios para motoristas das classes C, D e E, de ônibus e caminhões.