Um pé de laranja falante, uma boneca viva de pano e dançante, uma criança que pega carona em cometa ou amigos que devoram uma casa de sobremesa. Em um quintal brincante, toda fantasia, imaginação e brincadeiras podem acontecer de uma hora para outra com enredos que vão muito além dos clássicos contos infantis.

A partir do que é apresentado pelas crianças, as brincadeiras acontecem em uma casa preparada para ser a casa dos pequenos, que se desenvolvem pelo fio condutor do brincar com atenção especial para o tripé: cultura da infância, potência da infância e a criança como sujeito.

Em um quintal brincante, toda fantasia, imaginação e brincadeiras podem acontecer de uma hora para outra com enredos que vão muito além dos clássicos contos infantis
Em um quintal brincante, toda fantasia, imaginação e brincadeiras podem acontecer de uma hora para outra com enredos que vão muito além dos clássicos contos infantis | Foto: Divulgação - Melina Caldani

“Tudo é pensado para atender as crianças a partir da complexificação que elas próprias nos deram. Se eu trago para um território de construtividade, peças de lego, dinossauros, madeiras e bacias, isso tem um sentido para mim. Mas, quando vai para as mãos das crianças, com certeza, se transformam em outras coisas que eu não pensei. Então, a gente brinca aqui com a pergunta: você tinha pensado nisso? E a gente chega a conclusão durante a reunião pedagógica que não”, explica Rebeca Gombi, sócia-proprietária da Casa da Beca, quintal brincante fundado há um ano e oito meses em Londrina.

A pedagoga lembrou que a ideia surgiu pela vontade de continuar trabalhando com as crianças, presencialmente, após atender os pequenos em casa no delicado momento da pandemia. Assim, ela encontrou um caminho para que o quintal brincante se solidificasse em Londrina, movimento que começou no Brasil em 2010, em São Paulo, com espaços alternativos, além da escola.

O movimento de criar espaços alternativos para brincar começou no Brasil em 2010
O movimento de criar espaços alternativos para brincar começou no Brasil em 2010 | Foto: Divulgação - Melina Caldani

“A criança e a natureza não podem ser desassociadas, o brincar tem que estar no centro de nossas intenções pedagógicas, poéticas e encantadoras. Um espaço cheio de boniteza e belezura, como dizia Manoel de Barros. A gente entende que esse quintal é maior que o mundo. Então, ele tem que ser imaginativo, acolhedor e frutífero”, afirmou.

A Casa da Beca possui diferentes “territórios de brincar”, como areia, água, construtividade, ateliê e espaço de luz e sombra, sempre privilegiando a escuta infantil. O quintal é preparado para algumas atividades no dia, mas nem sempre as coisas vão acontecer dentro do tempo planejado.

“Se a criança ou grupo quiser ficar só no território de areia, ele vai ficar lá. Eles podem estar na areia fazendo comidinha, podem desenhar com areia, contar ou fazer colagem. Ficamos no ambiente até esgotar, o que é diferente do ambiente escolar”, explicou Rebeca.

Independente dos territórios, o quintal aposta nas brincadeiras tradicionais, na oralidade e em brinquedos não estruturados para um desenvolvimento completo da infância. Ao invés da estagnação, a criança se movimenta, tem autonomia, faz escolhas, é ouvida e acolhida.

“Acredito que a educação é transformadora. É por isso que a gente faz o que faz. É para transformar. E isso dá muito trabalho. A gente modifica os ambientes a cada 10 dias, tudo sai do lugar.”

A sócia-proprietária Talitha Menão ressalta que a trajetória das crianças na casa é marcada pelo desenvolvimento no aspecto humano como sujeitos. “Elas se tornam crianças e se tornam pessoas, pois elas conversam, dividem, têm um tempo de espera, elas falam sobre meio ambiente e sobre o futuro que imaginam”, pontuou.

Assim, as crianças passam a ter um olhar diferente sobre as coisas, fazem perguntas e mostram percepção sobre o entorno ao parar e ouvir os passarinhos no quintal. “Uma criança que frequenta um ambiente estimulado com todas as suas potencialidades, ela vai ser mais crítica, vai ter mais repertório, inteligência emocional, ganha coordenação motora fina e grossa, espacialidade, lateralidade e se movimenta no mundo de maneira diferente.”

Talitha lembra que umas das principais queixas dos pais, atualmente, é o uso excessivo de celulares e outras tecnologias pelos filhos, que não saem do quarto, não comem na mesa com a família ou se tornam muito consumistas. Assim, o movimento dos quintais brincantes colabora na reconexão da criança, nela mesma, dentro de um novo contexto, onde o brincar é a principal linguagem na infância.

“Pais e mães que se inserem em um quintal estão buscando algo diferente. Um desenvolvimento mais coeso para criança, disciplina positiva, pezinho no chão, se lambuzando de tinta, experimentando uma amora para depois pintar com ela. Os pais buscam esse ser humano”, comentou.

O local, que atende no contraturno escolar, também trabalha como colônia de férias em janeiro e julho e promove encontro de crianças menores e maiores, por meio de piqueniques, além de organizar festas de aniversário.