Luiza Moriya (diretora clínica), Vivian Feijó (superintendente), Magali Cardoso (diretora de enfermagem) e Daiane Cardoso (diretora-administrativa): quarteto que comanda o maior hospital da região
Luiza Moriya (diretora clínica), Vivian Feijó (superintendente), Magali Cardoso (diretora de enfermagem) e Daiane Cardoso (diretora-administrativa): quarteto que comanda o maior hospital da região | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Em 2018, quatro mulheres assumiam a diretoria do HU (Hospital Universitário) de Londrina. Era a primeira vez que a instituição teria liderança 100% feminina. Não bastassem os desafios que o segundo maior hospital do Estado - e o maior da região de Londrina - já pudessem oferecer, em 2020, as quatro mulheres tiveram que enfrentar o pior momento já vivido pela unidade, com a chegada de uma das pandemias mais graves da história da humanidade.

O hospital saiu de 293 para 454 leitos em uma estrutura antiga, de mais de 60 anos. Dois novos prédios tiveram que ser ativados às pressas. Foi criado o Hospital de Retaguarda e o HU passou a ser referência no tratamento à Covid-19, atendendo 97 municípios da região.

Nas últimas semanas, o hospital entrou no seu pior momento, com 200% de ocupação em um pronto-socorro e mais de 50 famílias na fila aguardando por atendimento na UTI. O grito de socorro para as autoridades, ao poder público e para a própria sociedade veio às vésperas de a cidade completar um ano da pandemia.

É com esse contexto que o quarteto formado por: Daiane Vieira Cardoso, diretora-administrativa; Magali Godoy Pereira Cardoso, diretora de enfermagem; Luiza Kazuko Moriya, diretora-clínica; e Vivian Feijó, diretora-superintendente, conta a rotina desgastante de comandar o maior hospital da região que já ultrapassou o seu limite de capacidade.

DAIANE CARDOSO, DIRETORA ADMINISTRATIVA

Daiane Cardoso:  “Se houve desconfiança da nossa capacidade, hoje isso caiu por terra”
Daiane Cardoso: “Se houve desconfiança da nossa capacidade, hoje isso caiu por terra” | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Sob olhar de São Miguel Arcanjo pendurado na parede, Daiane Vieira Cardoso, 48, comenta que não estava nos planos trabalhar em hospital quando aprovada no concurso, em 1994. A jovem de 20 anos chegou a rejeitar a vaga para o Hospital das Clinicas da universidade, pedindo outro cargo. Vinte e seis anos depois, está ela, na sala decorada com papel de parede clássico, um vaso de flor e fotos da família no porta retrato sobre a mesa da diretoria administrativa do HU.

A trajetória de mais de duas décadas - uma delas no HU – veio da autoconfiança e de gosto por desafios. Daiane entrou na faculdade aos 30, quando estava casada e com dois filhos pequenos. Emendou pós-graduação e, já almejando o cargo da diretoria administrativa, entrou em mais um curso de especialização. O plano deu certo. Em 2018, ela assume o cargo desejado.

“Quando eu comecei a sonhar sabia que poderia contribuir. Eu brincava, dizendo: ‘gente, eu tenho um plano para mudar o mundo, eu só preciso de ajuda’”, ri. “Porque eu sou idealista, sonhadora, eu olho para a frente e quero que todo mundo seja feliz”, defende.

Daiane Cardoso apresenta os números que rascunhou em um papel. De 2.700 servidores do hospital, 1.800 são mulheres (66%). Ela também conta que não é a primeira mulher a ocupar o cargo, porque, no início da história do hospital, Ana Rocker, com quem Daiane fez questão de fazer uma foto, esteve à frente do cargo na primeira gestão. Depois dela, vieram quatro homens, até uma mulher, ela mesma, a ocupar novamente a cadeira.

Mulher das finanças, licitações e cálculos, Daiane conta que quando assumiu, a proposta seria a superação e renovação. “Quando veio a pandemia, a gente teve que se reinventar. Em janeiro do ano passado, a gente virou a chave. Um hospital de 293 leitos passa a ter 450. Uma estrutura de mais de 60 anos, prédios antigos, equipe de manutenção reduzida, pessoal envelhecido”, conta. Para explicar a dimensão, conta que o hospital lava 2,5 toneladas de roupa por dia e mais de um milhão de refeições são oferecidas ao ano.

Ela não esconde os momentos de desespero e vontade de chorar enquanto esteve no cargo. Além dos exercícios diários, conta com o apoio da família e se sente abraçada pelos livros e amigas, com quem mantém um clube de leitura. “Aquela senhora que recolhe os ossos e dos ossos ela traz vida. Mulher tem isso, capacidade de trazer a vida para aquilo que está morto. Eu me identifico”, cita. A referência é do livro Mulheres Que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés, o livro da vez.

E com orgulho fala do quarteto que lidera o HU nesse momento. “É uma vitória, sou muito orgulhosa de nós. É desafiador, mas acho que a pandemia também mostrou que nós estamos aqui e sabemos o que estamos fazendo”, revela. Para ela, as quatro agregam ternura até onde podem, mas também têm firmeza e "vão pra cima" quando precisam. Internamente, acredita que essa questão sempre esteve bem resolvida, externamente, talvez tenha sido necessário comprovar. “Se houve desconfiança da nossa capacidade, hoje isso caiu por terra”, fala com orgulho.

LUIZA MORIYA, DIRETORA CLÍNICA

Luiza Kazuko Moriya: "Estamos firmes, com esperança que se renova em cada paciente que vai de alta para casa”
Luiza Kazuko Moriya: "Estamos firmes, com esperança que se renova em cada paciente que vai de alta para casa” | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“Não almocei ainda, estou orquestrando a família a distância: o que orientar para preparar para o almoço? Quem voltará para casa para almoçar? Minha mãe não teve efeito colateral da vacina que tomou ontem, cujo agendamento fizemos a distância, pois mora em outra cidade”, começava o desabafo da diretora-clínica do HU, Luiza Kazuko Moriya, 61.

Faltava pouco para as duas da tarde, quando respondeu o pedido da reportagem para uma entrevista. A realidade da médica pediatra é comum a outras mulheres que trabalham fora, mantém-se ligada no serviço e atenta à rotina familiar, ainda que a distância. No entanto, Moriya tinha uma questão a mais: lidar com um hospital a beira de um colapso.

“Pacientes não param de chegar, muitos graves, muitas famílias angustiadas, sofrendo, pois não há possibilidade de visitas. Profissionais da linha de frente esgotados fisicamente, mentalmente e emocionalmente. Aparelhos de ventilação mecânica logo estarão em fase de esgotamento, pois novos pacientes graves chegam, sem trégua, e os que já estão utilizando o fazem por um tempo prolongado”, disparou.

“O número de pacientes aguardando UTI é o dobro dos que estão intubados, a taxa de ocupação das UTIs é sempre de 100%. Outros hospitais vislumbrando falta de oxigênio. Vários colegas médicos graves em UTIs, lutando”, relatou sem que desse pausa para uma pergunta.

“Peço a Deus para não chegar o momento em que diremos: ‘esgotamento total de atendimento, colapso total!’ Mas estamos firmes, com esperança que se renova em cada paciente que vai de alta para casa”. E despediu-se com promessa de tentar voltar a falar mais tarde.

Era mais de meia-noite quando o celular apitou com a mensagem de Moriya perguntando se poderia conversar no dia seguinte e que não tinha parado até o momento.

Afirma que precisa se manter firme e perseverante para o enfrentamento nesse período. Formou-se em medicina e fez residência em pediatria pela UEL. É também docente na universidade há 27 anos. “O HU é a minha segunda casa”, contou. Por amor e gratidão, disse ter assumido a direção clínica.

Para ela, a pandemia foi uma situação inimaginável, colocando os planos iniciais da gestão na gaveta. “A responsabilidade de fazer parte da diretoria de um hospital desta magnitude, o segundo maior do Estado, designado como referência para os casos moderados e graves de Covid-19, é enorme”, argumentou.

Moriya tem duas filhas, netos, pais em fase de adoecimento, aulas e assistência no hospital. Mencionando a capacidade de a mulher ser multitarefa, a pediatra valoriza a liderança feminina do hospital, exaltando a habilidade humana de apoiar umas às outras. “Nesta diretoria, quando uma cai chorando, com o esgotamento das forças, as outras a resgatam e assim sucessivamente”. Nitidamente esgotada, a médica despediu-se com uma mensagem: “Desculpe o desabafo. Ficaremos firmes, ok!?”

MAGALI CARDOSO, DIRETORA DE ENFERMAGEM

Magali Godoy Pereira Cardoso:   “A mulher tem mais capacidade de adaptação, é mais  resiliente, compassiva"
Magali Godoy Pereira Cardoso: “A mulher tem mais capacidade de adaptação, é mais resiliente, compassiva" | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

“Mulher é um bicho forte, né!?”, expressou Magali Godoy Pereira Cardoso, 57, diretora de enfermagem que cuida da maior equipe do hospital: são mais de mil trabalhadores na área. A referência concluía o fato de que não é fácil comandar um hospital como o HU, mas que as diretoras estavam bastante comprometidas com a causa.

Há mais de 33 anos no HU, Magali Cardoso passou por todas as áreas assistenciais e administrativas de gestão do hospital. Formou-se em enfermagem pela UEL e concluiu mestrado e doutorado na área da saúde. Mãe de duas jovens, conta que tem rede de apoio importante em casa e possui incentivo do marido e das filhas para construir a carreira.

Mesmo quando a rotina do hospital se intensifica e passa a exigir mais energia física e psicológica. “Eu tenho estratégias de enfrentamento físico e emocional que me ajudam a manejar toda essa confusão na questão da Covid-19", conta. Leitura, filmes e exercícios fazem parte da lista.

Magali é tranquila, de voz serena, e tímida. Não gosta de dar entrevistas, mas aceitou falar à FOLHA. “A gente tinha plano de gestão para os quatro anos, mas eu acho que, apesar de tudo, da pandemia e de outros problemas que tivemos no início da gestão, a gente conseguiu tirar leite de pedra”, revela.

A diretora explica que a pandemia fez com que a equipe direcionasse orçamento e pessoal para outras áreas mais urgentes, colocando o pé no freio dos planos iniciais, mas acredita que mesmo diante da Covid-19, é possível enxergar avanços, como em estrutura e equipamentos, por exemplo.

Desafio incessante diante dos números que enfrentam atualmente. O hospital ultrapassou a capacidade, com taxa de 200% de ocupação na enfermaria. Para ela, a participação da mulher da liderança nesse momento é primordial. “A mulher tem mais capacidade de adaptação, é mais resiliente, compassiva. A gente tem capacidade para resolver problemas e não é um problema, são vários problemas acontecendo ao mesmo tempo”, argumenta.

Ao avaliar a liderança do quarteto, não descarta os desafios pela frente, mas vê com bons olhos para até onde chegaram. “São muitos enfrentamentos, pressão, preocupação, a gente se preocupa em não ter o material, não ter isso, não ter aquilo, mas a gente está muito atenta. Somos organizadas e, com certeza, tem que ser assim, com essa força e garra que tem para enfrentar o que a gente tem enfrentado”, descreve.

VIVIAN FEIJÓ, DIRETORA-SUPERINTENDENTE

Vivian Feijó: "Tenho certeza que, unidas, nós vamos fazer a diferença e superar esse momento crítico que se tornou a pandemia”
Vivian Feijó: "Tenho certeza que, unidas, nós vamos fazer a diferença e superar esse momento crítico que se tornou a pandemia” | Foto: Gustavo Carneiro - Grupo Folha

Falar com a diretora-superintendente do HU nas últimas semanas estava cada vez mais difícil. Com o hospital a beira do colapso, Vivian Feijó, 45, mal conseguia atender às demandas que a unidade exigia, ainda precisava buscar apoio para a compra dos suprimentos cada vez mais escassos no mercado e administrar equipes que chegaram a fazer plantões de 36 horas. Tudo para continuar atendendo pacientes que superlotavam os leitos do hospital.

Na última quinta-feira (4), Feijó foi à Câmara dos Vereadores de Londrina suplicar por apoio. “Quero dizer aos senhores que, em 22 anos de Saúde Pública, eu nunca vivi um momento como esse”, disse. “O Estado do Paraná está vivendo o seu momento mais traumático de assistência à saúde vivida nos últimos anos”, declarou.

Feijó entrou em 1993 na UEL para cursar enfermagem. Foi enfermeira assistente em várias unidades e passou a assumir cargos de coordenação e gerência, como chefe de divisão. Em 2018, assumiu o cargo na diretoria superintendência, sem imaginar que enfrentaria o caos.

Casada, com dois filhos, ela defendeu neste ano o doutorado em gerência de enfermagem enquanto chefiava o segundo maior hospital do Paraná em meio a pandemia. Para ela, é preciso ter habilidade relacional e organizativa dos processos de trabalho e da vida pessoal. “Falar para você que este equilíbrio acontece sempre, eu estaria mentindo. Infelizmente, em alguns momentos, a gente acaba faltando. É uma busca constante da assertividade das escolhas e na distribuição das horas do dia”, argumenta.

Em 2021, o HU completa 50 anos. Feijó conta que havia muitos planos no início da gestão, os trabalhos envolviam fazer mais com menos, considerando escassez financeira e orçamentária das instituições públicas. Então, veio a pandemia. Em tempo recorde, foi feita a adaptação do planejamento e superação das equipes, contando com engajamento e comprometimento dos colaboradores. “Apesar de todas as dificuldades, eu sinto um HU unido, mobilizado e muito próximo de nós, buscando atender o maior número de pessoas possível”, afirma.

E esse “atender o maior número de pessoas possível” já ultrapassou os limites da possibilidade em decorrência da Covid-19. Momento que exige serenidade de mulher para repensar soluções, humildade de menina para pedir ajuda e ternura de mãe para acolher os doentes.

“Eu tenho muito orgulho de ser mulher e estar à frente deste hospital. E tenho sentido que essa representatividade tem servido, também, como inspiração para novas mulheres que se veem motivadas a também construir uma história cheia de conteúdo, coragem e muita força de superação”, afirma. A superintendente também fala do orgulho de fazer parte de uma diretoria 100% feminina. "Tenho certeza que, unidas, nós vamos fazer a diferença e superar esse momento crítico que se tornou a pandemia.”