Aproveitar o ar fresco da natureza para ventilar a casa e captar a água da chuva para regar o jardim e lavar calçadas. Se a residência possui telhas de vidro e muitas aberturas, é possível economizar luz e ligar as lâmpadas só depois das 19 horas. Privilégio maior é tomar banho com água aquecida pelo sol. Algumas dessas tecnologias que utilizam o que a natureza dá ‘‘de graça’’ já são comumente observadas em alguns lares. Mas de forma isolada.
  Construir uma casa que reúna vários conceitos de sustentabilidade, promova qualidade para as habitações e reduza o impacto ambiental soa como um desafio. Mas se não falta força de vontade isso é possível e acessível. O melhor exemplo de residência nesses moldes, em Curitiba, talvez seja a do professor do Departamento de Construção Civil da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Eloy Casagrande, no bairro do Pilarzinho.
  Depois de 16 meses de obras, o imóvel ficou pronto em 2000. ‘‘Para construir uma casa convencional se leva em torno de seis meses. Mas esse tempo a mais foi necessário para a gente conseguir material de residências que seriam demolidas. Nossa casa saiu 30% mais barata em comparação com o metro quadrado de uma construção convencional’’, resgata ele.
  Ele e a mulher, a designer Libia Patrícia Peralta, tiveram contato com a construção sustentável quando concluíram o doutorado na Inglaterra. ‘‘Vimos que em quase todo o Brasil se constrói de forma inapropriada. O conforto térmico o impacto ambiental e o padrão de construção é o mesmo para o Sul, Nordeste ou Amazônia’’, contextualiza. ‘‘A construção civil consome de 20% a 30% dos recursos naturais do planeta. A indústria do cimento é responsável por 10% do aquecimento global’’, acrescenta Casagrande.
  O primeiro passo da obra foi a reutilização de materiais que a sociedade considera descartáveis. O resultado é que 70% da casa do professor, de 220 metros quadrados, é originada de demolições: além das portas, janelas e armários, antigos dormentes serviram para os degraus da escada, tijolos foram reaproveitados de um forno de olaria, o berço do filho foi transformado em sofá e cabideiro e o piso do mezanino é feito com madeira de 50 anos da antiga fábrica de bolachas Lucinda. ‘‘A construção ainda não se preocupa com a desconstrução. Não existe uma organização das demolidoras. Fizemos contato com umas seis boas daqui, que nos avisavam quando iam demolir um imóvel para escolhermos alguns materiais. E fomos estocando tudo’’, conta.
  Aos invés de poucas e pequenas janelas, comum na construção civil, o casal optou por várias aberturas e telhas de vidro para aproveitar ao máximo a luz natural. O jardim de inverno integra a sala e a cozinha com o quintal, e serve como acumulador de calor que aquece o espaço, já um sistema de chaminés e fogão a lenha completam o aquecimento da casa. Toda residência foi construída com telhas e paredes duplas (com espaço de cinco centímetros) com preenchimento térmico de placas de poliuretano, material retirado de geladeiras descartadas em ferro-velho.
A ventilação cruzada colabora para que a residência seja mais fresca, no verão, e quente, no inverno.
  O professor demorou para encontrar profissionais competentes para tocar o projeto. A maioria dos arquitetos e engenheiros, segundo ele, não está pronta para lidar com o conceito de sustentabilidade. ‘‘Aplicamos princípios básicos da construção que, de alguma forma, foram esquecidos no Brasil. O lar precisa ser o mais natural possível, reduzir o impacto para a saúde e meio ambiente. Pode ser que hoje a pessoa ache caro investir numa placa solar e acumuladores de água que, em três anos, te darão o retorno com a economia da conta de energia. Vai da consciência de cada um’’, pontua.
  Casagrande acredita que as pessoas que investem em residências ecológicas deveriam ser apoiadas pelo poder público através de descontos em alguns impostos como o IPTU ou mesmo nas contas de água e de energia.
‘‘A legislação poderia ser modificada para isso.
A população deveria ser incentivada a habitar ambientes mais saudáveis e que reduzam o impacto ambiental. Não vejo outro nicho de mercado para ser explorado daqui para frente’’, aposta o docente.