Imagem ilustrativa da imagem Infraestrutura digital: uma grande 'lição' imposta pela pandemia
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Nos últimos sete meses, por causa da pandemia do coronavírus, famílias com filhos em idade escolar tiveram que encarar uma nova rotina para a qual a maioria não estava preparada. Nem as escolas. Relatório organizado pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) mostra que o Brasil tem escolas com a pior proporção de computadores por aluno entre os 79 países e territórios avaliados pelo último Pisa - instrumento internacional de avaliação da educação básica.

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Ter ferramentas tecnológicas e acesso à internet, porém, não são garantias de que as instituições tiveram mais facilidade para trabalhar com o ensino remoto. A professora associada da UEL (Universidade Estadual de Londrina) no programa de pós-graduação em Educação, Diene Eire de Mello, explica que o assunto envolve vários elementos. "Não adianta a escola ter infraestrutura (laboratórios, equipamentos) se tais artefatos não forem incorporados ao ‘fazer da escola’. É preciso que seus usos sejam adequados e voltados para a aprendizagem efetiva dos estudantes", avalia.

RETOMADA

Pensando em uma possível retomada das aulas em outras bases, com uma cultura digital, a docente da UEL destaca que as escolas não devem investir em tecnologias para se fazer as mesmas coisas. “É preciso que elas contribuam com novas maneiras de pensar e agir no mundo. Um trabalho intencional com o uso de tecnologias deve levar em conta o aluno em seu contexto e propiciar situações de ensino em que tais artefatos mobilizem novas de estudar, aprender e compreender”.

Segundo ela, as potencialidades da web devem ser exploradas em suas multiplicidades. “Me estranha muito a escola que ainda bloqueia rede de internet ou proíbe o uso de celulares. O que precisamos fazer é aproveitar a potência das redes e ensinar nossas crianças e jovens a viverem neste mundo da cibercultura em que a informação está a um click. Porém, informação não é o mesmo conhecimento e este é o trabalho da escola”, diz.

DIDATIC

Mello atua em Educação e Pesquisa desde 1997 e coordena, ao lado da professora Dirce Aparecida Foletto de Moraes, o Grupo de Pesquisa DidaTic na UEL, cujo objetivo é compreender como as tecnologias digitais podem ou não alterar os processos didáticos em sala de aula.

De acordo com ela, professores da rede municipal e também de ex-alunos de pedagogia da UEL procuraram o programa durante a pandemia, fato que deu origem ao projeto de extensão “DidaTIC e formação de professores para o ensino remoto: atendimento emergencial à Covid-19".

“Quero acreditar que muitas aprendizagens deste período (de pandemia) serão incorporadas e/ou readaptadas para o ensino presencial. Os professores estão se reinventando, buscando alternativas, metodologias, novas linguagens e penso que isso não será em vão”, sustenta.

PROTAGONISMO DOS ESTUDANTES

Para o pesquisador na área de Tecnologias e Educação, Felipe Saldanha, diretor de comunicação da ABPEducom (Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação), quando houver a retomada das aulas presenciais, além dos desafios técnicos – como a conexão de internet de baixa qualidade e a obsolescência das máquinas – será imprescindível dar atenção a outros fatores. “Os projetos pedagógicos precisam incentivar a autonomia e protagonismo dos estudantes: mais do que apenas ler e reproduzir, eles precisam aprender a interpretar criticamente e produzir criativamente narrativas baseadas nas linguagens da comunicação", aponta.

Quanto às famílias, ele diz que é necessário proporcionar melhores condições sociais e econômicas para que apoiem a formação escolar dos seus filhos. "Finalmente, é preciso considerar obstáculos de outras ordens que já eram enfrentados antes da pandemia e continuam existindo, a exemplo da evasão escolar, má remuneração dos professores e falta de infraestrutura física adequada”, pontua.

INFODEMIA

O pesquisador Felipe Saldanha fala também sobre a ‘infodemia’ (termo utilizado pela OMS para o excesso de informações, que tornam difícil encontrar fontes idôneas e orientações confiáveis) no contexto da pandemia atual. Segundo ele, a desinformação agravou um problema existente no tocante à relação entre mídia, tecnologia e educação.

“Já faz algum tempo que os alunos, em geral, dão ao saber midiático tanta ou mais importância que ao acadêmico, cabendo aos professores qualificar o saber midiático e problematizá-lo em discussões e atividades na sala de aula”, afirma. Por outro lado, Saldanha explica que a Educomunicação - método que se utiliza dos recursos de mídia para a educação - aponta que as crianças e adolescentes podem se transformar em aliados poderosos da ciência e da informação verificada, ao desenvolver seus próprios vídeos, memes e outros conteúdos, baseando-se em fontes confiáveis.

“Essas mensagens podem então ser colocadas para circular nos mesmos espaços que propagam desinformação, funcionando como uma espécie de ‘contra-ataque’. Neste processo, os jovens desenvolvem habilidades importantes de pesquisa e análise crítica, expressão artística e cultural, uso de linguagens e tecnologias, argumentação, entre outras. Todas elas presentes BNCC (Base Nacional Comum Curricular)”, ressalta.

ORGANIZAÇÃO ANALÓGICA

A professora da UEL, Diene Eire de Mello, observa que as escolas ainda vivem uma organização analógica, enquanto a sociedade e a cultura já estão na lógica digital. “A pandemia abalou a organização das escolas, que apesar de todos os avanços ainda utiliza as tecnologias como forma de apoiar a aula expositiva do professor, ilustrar um conteúdo etc. O fechamento das escolas e a adoção do ensino remoto apenas enfatizou uma ferida aberta principalmente nas escolas públicas. Mostrou o quanto ainda estamos atrasados em relação à infraestrutura e a formação de professores”, afirma.

CONECTIVIDADE

Para o pesquisador, a principal questão a ser debatida é a conectividade dos estudantes. Ele cita os dados da pesquisa do Cetic.br de 2019 que mostram que 20 milhões de domicílios brasileiros (28% do total) não possuem acesso à internet, sendo que nas áreas rurais e nas classes D e E esse percentual chega a cerca de 50%. "Mesmo os que têm acesso costumam fazê-lo pelo celular e estão sujeitos a sinal fraco de rede e pacotes restritos de dados. Some-se a isso as condições de aprendizado dentro de casa: quantos alunos têm um espaço propício para assistir videoaulas e fazer suas tarefas, ou mesmo o incentivo familiar para perseverar nos estudos? Por isso, considero que, na avaliação dos resultados do ensino durante a pandemia, o perfil socioeconômico dos alunos atendidos pela escola é muito mais determinante do que os equipamentos que ela possui", comenta.