DER, na saída para Jataizinho, era o nome de uma localidade onde ficavam a sede do Departamento de Estradas de Rodagem e uma instituição bem menos nobre: o lixão a céu aberto que, 30 anos atrás, recebia todo o lixo de Ibiporã. Era lá que dona Júlia, a fim de reforçar o orçamento de casa, ia quase todo dia com os dois filhos mais novos – de uma prole de nove – para catar cobre, alumínio, papelão e, com alguma sorte, roupas e... comida.
– De todas as lembranças dessa época, a que mais me marcou foi o sabor de maçã - conta um dos caçulas de dona Júlia.
Aos 15 anos de idade, depois de muito fuçar no lixão de Ibiporã, Miguel foi para a capital paulista, trabalhar na oficina mecânica de um dos irmãos mais velhos, na região do Belenzinho-Mooca. Pouco tempo depois, retornou. E retomou os estudos, interrompidos na 6ª série.
Fez um curso de técnico de auxiliar de enfermagem e trabalhou na área um ano, até ser atraído por um concurso do SAMAE, o Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto. No ano anterior, 2003, o SAMAE assumira também a gestão dos resíduos em Ibiporã, e abriu concurso para suprir as novas vagas.
Miguel passou no concurso. Começou na varrição; logo pintou uma vaga na coleta de lixo. À noite, passou a cursar Pedagogia numa faculdade particular. Do caminhão, pulou para o trator que coletava o lixo – e também animais mortos – das 15 comunidades rurais da cidade, como motorista. Com o diploma de nível superior, virou coordenador de reciclagem do órgão.
Há seis anos, Miguel Gardini ocupa o cargo de diretor de Limpeza Pública do SAMAE. Nesta função, participou ativamente do programa de coleta seletiva que, implantado em 2009, coleciona cinco prêmios – incluindo um que leva o carimbo da ONU.
– Nunca imaginei que iria tirar do lixo o sustento da minha família - declara Gardini, casado, dois filhos e uma sobrinha agregada.
Ibiporã, com seus 51 mil habitantes, certamente está longe de ser uma Suíça, mas, na questão dos resíduos, exibe números de causar inveja a quase todos os municípios brasileiros. Das 42 toneladas diárias, 10,5 são de materiais recicláveis, 7,5 são de rejeitos e 24 toneladas são de material orgânico, que é compostado para virar adubo.
A correta segregação na fonte – fruto de educação ambiental levada a cabo com manuais, peças publicitárias e imãs de geladeira – dá suporte a esses índices. Dados oficiais dão conta de que 100% da cidade são cobertos pela coleta seletiva e 95% da população participam dela. Novas empresas, segundo Gardini, adotam planos de gerenciamento de resíduos e as antigas, para renovar alvará, também precisam adotar o seu.
Gardini diz que a experiência acumulada durante todo o tempo em que lidou com lixo tem lhe dado a condição de ajudar outros municípios a implantar coleta seletiva e a aprimorar a destinação final dos resíduos – ele também ajudou a criar e a legalizar associações de recicladores em várias cidades.
– Fico feliz em saber que meu trabalho impacta de maneira positiva na vida das pessoas. Meu compromisso não é só com o cargo que ocupo, mas também com meus filhos. É um compromisso de vida.

Imagem ilustrativa da imagem EDUCADOR AMBIENTAL - Do lixo ele tirou tudo...
| Foto: Juciellen Ribeiro/Divulgação
"Fico feliz em saber que meu trabalho impacta de maneira positiva na vida das pessoas", conta Miguel Gardini