Dom Albano Bortoletto Cavallin, arcebispo de Londrina, está chegando aos 75 anos de idade, comemorados neste domingo com uma missa na Catedral, às 10h30.
O homem que diz ter sido ''paparicado por Deus'', e que já pediu aposentadoria para a Santa Sé, deu uma entrevista especial para a Folha esta semana. Durante a conversa, ele lembrou a trajetória que começou há 53 anos, quando foi ordenado padre, e sua participação em momentos decisivos da cidade, onde é bispo há 13 anos.
Nascido na Lapa, em 1930, Albaninho, como ainda é chamado por familiares, é o primeiro e único filho homem, dos três filhos do casal Celestina e Pedro Cavallin.
Para guiar o rebanho de fiéis da arquidiocese de Londrina, incluindo 15 cidades da região, ao lado do báculo, símbolo do pastor, dom Albano também veste as cores alvicelestes do Londrina Esporte Clube (LEC) numa demostração da proximidade da Igreja com os fiéis.
Confira a reportagem do torcedor de Londrina, cidade que escolheu para morar, quando se aposentar.






FOLHA - Ao falar em se aposentar, como gostaria que fosse o seu sucessor? O senhor deixará algumas metas para que ele siga?

ALBANO - A primeira coisa que eu gostaria é pedir a Deus, que mande aquele que Deus deseja. Quando a gente faz a renúncia a gente faz também o relatório, que mais ou menos dá o perfil. Procurei dar o perfil de uma cidade pujante, universitária, com um tipo de trabalho urbano, sem esquecer que Londrina não é só cidade, são mais 15 cidades circunvizinhas também. Eu não posso intervir. Cada pessoa tem seus óculos, seu modo de ver. Mas existe uma continuidade, através das mais variadas organizações pastorais e conselho da arquidiocese. A diocese antes de mim já existia e depois continuará existindo. Do passado nós herdamos coisas lindas, sobretudo uma dimensão missionária. Londrina no mundo, pode se dizer, é uma das grandes dioceses missionárias. Seus filhos e filhas estão nos cinco continentes. Um dom que Deus deu para essa diocese.

FOLHA - Quando o senhor tomou a decisão de se aposentar?

ALBANO - Aos 75 anos, é de bom tom. A Bíblia fala que existe um tempo para tudo: tempo para nascer, tempo para crescer, tempo para construir, tempo para destruir, tempo para viver e tempo para morrer. Vamos seguir as leis da natureza.

FOLHA - O senhor continuará morando em Londrina?

ALBANO - Continuarei em Londrina se Deus quiser, até por causa do problema de sa© úde. Eu tenho problemas de de circulação e Curitiba, que é a terra dos meus pais e meus irmãos, é muito fria, me faz muito mal. E não só por isso, mas também pelo amor a Londrina.

FOLHA - Como é o processo de escolha de um novo bispo?

ALBANO - Cada ano, 20 e poucos bispos do Paraná se reúnem e apontam cinco, dez padres. Numa das reuniões apontamos 28 candidatos. Daí a nunciatura começa a fazer as pesquisas. Esse aqui é mais adequado para uma cidade grande, esse mais para uma cidade rural, esse tem um perfil mais intelectual, esse tem um perfil administrativo. E assim vão ajustando a pessoa certa no lugar certo.

FOLHA - Nos últimos dias se falou muito na existência de uma Igreja com margens para o conservadorismo e o progressismo. Como é o clero londrinense e o relacionamento do senhor com os padres?

ALBANO - Padre não é nem empresa, nem funcionário, é uma família e, como toda família, tem o filho alegre, o bravo, o revoltado. Tudo isso faz parte. Mas em assunto de família, roupa suja lava-se em casa. É muito difícil fazer a distinção entre progressistas e conservadores. Eu sofro até com essa simplificação. Por exemplo, eu mesmo, em alguns pontos, sou fortemente progressista e em outros, fortemente conservador. Em arquitetura, por exemplo, eu sou supermodernista. Sofreria muito rezar uma missa numa igreja daquelas da Bahia, cheia de rococó, que recorda todo um passado. Já em matéria de educação, eu sou mais rígido. Em matéria de moral, eu não considero o Papa João Paulo II atrasado. Não é pelo fato de todo mundo dizer que o amor livre é bonito, que eu também vou dizer. É duro ser católico, cumprir integralmente o Evangelho.

FOLHA - Como o senhor avalia o seu trabalho como bispo na Arquidiocese de Londrina?

ALBANO - Eu gosto muito de tudo de Londrina. Da terra vermelha, do sol, da juventude, das pessoas que nos precederam. Nós temos pessoas que formam um patrimônio muito bonito. Quando fui nomeado para Londrina eu considerei uma graça de Deus.

FOLHA - As Missões Populares foram uma grande ação de evangelização. Quais as outras ações que considera importantes nesses anos de apostolado?

ALBANO - As Missões Populares, você usou uma expressão que eu vou pedir licença para ajeitar um pouquinho, não foram minhas, foi plano de Deus. Eu fui um empregado, mas talvez nestes 75 anos tenha sido uma das alegrias maiores. Eu tenho muitas alegrias, cada missa que rezo, cada confissão que faço. São grandessíssimas alegrias espirituais, mas, administrativamente, as Missões Populares foram uma verdadeira batalha de fé. Quatorze mil pessoas, visitando de duas em duas de 90 a 100 mil lares, levando mensagens do Evangelho, é uma das páginas mais lindas que a Igreja de Londrina já escreveu. Ao lado disso, a gente tinha que dar conta do recado. Então, eu procurei trabalhar em muitas frentes. A frente vocações e seminário. A frente Rádio Alvorada e Rede Vida, depois trabalhei também com a parte social que foi, sobretudo, O Bom Samaritano e quatro ou cinco entidades, que trabalham com os pobres, com o pobre mais pobre. Refiro-me ao trabalho da Toca de Assis.

FOLHA - Com uma participação intensa e direta na história da cidade, o senhor se desapontou com alguma coisa? Quais os momentos mais difíceis do seu apostolado?

ALBANO - Às vezes, temos certos sofrimentos que ninguém vê. Objetivamente falando, o que eu considero um dos grandes fracassos de minha vida foi a intermediação na greve da UEL. Eu entrei com muita pureza. Dialoguei com os dois lados, mas os meses se passaram e não vi um progresso. Para mim a greve é justa. Tem os seus direitos, mas ela deixa muitas cicatrizes. Dá a impressão até que a greve é uma guerra clandestina camuflada e que se a gente puder resolver o problema através do diálogo perseverante, humilde, é sempre melhor.

FOLHA - O senhor também se mostrou contrário à candidatura de padres. O que norteou essa decisão?

ALBANO - Quero distinguir bem. Toda pessoa, desde Aristóteles, é um ser político. É mentira dizer que a política não faz parte da nossa vida. Bem, mas que padres se candidatem, eu tenho uma visão de Igreja, que o padre não é o dono de tudo. O padre que é um pouco prefeito, um pouco delegado, um pouco chefe de polícia, é uma figura já anacrônica. Num pequenino lugar, onde é necessário, ele pode fazer esse papel, mas quando uma cidade já está construída, é preciso que cada força seja autônoma. Então, ao invés de pôr um padre na prefeitura ou na câmara, eu preferia que ele trabalhasse muito com os cristãos, que é o campo de trabalho deles. Isso não significa dizer que o padre não seja um grande companheiro dos políticos, refletindo juntos e revelando quais são os critérios evangélicos.


FOLHA - Ao dizer que Londrina é uma cidade pujante, universitária, temos que levar em consideração os graves problemas sociais. Na sua avaliação, o que é preciso fazer para melhorar essa situação, como o problema da superlotação nos distritos policiais?

ALBANO - Horrível, até chego a preferir que a pessoa fique fora do que lá dentro. Conversei, visitei o Cadeião, visitei os distritos e peço a Deus, que esse ponto, que é uma desonra do Brasil, na questão de direitos humanos, seja mais equacionado, a justiça mais agilizada. Não quero dizer que os juízes, os delegados tenham culpa. É o complexo do Brasil, que não cuida bem dos seus filhos. Londrina ainda não atingiu a meta de ser uma cidade fortemente preocupada com seus problemas sociais.

FOLHA - Qual foi a sua atuação, enquanto religioso, durante a ditadura militar?

ALBANO - Na época do governo militar existiam perto de 20 presos políticos em Curitiba. Eu os visitava em todas as prisões, levando um pouco de conforto. Me lembro que de Londrina havia quatro. Quando eu vim para cá, eu fui até visitar um deles. A gente foi levando a presença da Igreja para aqueles que defendiam a liberdade.

FOLHA - Como o senhor teve acesso aos presos da ditadura?

ALBANO - Tinha um general que morava na frente do colégio onde eu trabalhava. Por causa da amizade com a esposa dele, ele me deixou entrar em todos os estabelecimentos. De mês em mês eu ia visitá-los, rezava missa lá. Eles estavam sem esperança, revoltados porque foram presos, em geral em emboscada, porque defendiam, o que hoje nós sabemos, as injustiças que foram cometidas por causa das idéias.

FOLHA - Quais as principais discussões da Igreja que o senhor acompanhou na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e na Conferência Episcopal Latino-Americana?

ALBANO - A CNBB é uma conferência, uma organização muito viva. Ela tem a parte de trabalhos, que é a parte de estudos. Ela é de vanguarda. Tivemos também épocas um tanto difíceis, alguns exageros para coisas boas. A Teologia da Libertação é uma coisa muito boa. Porém, algumas pessoas radicais, unilaterais, desviaram, o que foi uma pena, e mancharam a beleza da Teologia da Libertação. Atravessei esses períodos também, graças a Deus. A verdadeira Teologia da Libertação é um nome latino-americano para descrever o miolo da religião. O miolo da religião é a Páscoa. A bondade, a solidariedade, a fraternidade são sinais de vida. Esta matriz sempre vai existir e, talvez o nome ''Teologia da Libertação'' possa mudar, seja mais uma ''Teologia da Comunhão''.

FOLHA - João Paulo II deixou um legado importante para a Igreja ao ser o papa mais popular da história, mas muitos cobram a abertura para o diálogo sobre temas polêmicos, como aborto e casamento entre homossexuais. Como a Igreja deve enfrentar esse desafio?

ALBANO - A Igreja tem um sólido fundamento, melhorado com o Concílio Vaticano II, que abrangeu um leque imenso de colocações. A Igreja na sua evangelização, a Igreja na sua missionariedade, a Igreja na sua educação, a Igreja com o seu ecumenismo e a Igreja com uma presença marcante na sociedade e não uma Igreja só de sacristia. Nesse setor, faz quase 40 anos, a Igreja vem deglutindo a imensidão de princípios que ela adquiriu, com dois mil e tantos bispos reunidos no Concílio Vaticano II. Mas a vida é dinâmica, e novos problemas da modernidade, dos meios de comunicação, a rapidez de tudo, está trazendo grandes desafios. O desafio da defesa da vida aí entra o aborto, a questão dos anancéfalos, a questão de relações pré-matrimoniais e depois também a eutanásia. Tudo isto exige da Igreja um diálogo bonito com a ciência, um equilíbrio. A Igreja não quer ser populista. Também não quer ser enganada. Nessa fase, em que alguns meios de comunicação atiçam os problemas, torna-se muito difícil para a Igreja dizer o seu pensamento. Pensamento de mãe, sereno, equilibrado. Então ela é acusada de criminosa porque não apóia a questão dos preservativos. Ignorante porque defende a vida dos anencéfalos ou dos embriões. O tempo e os estudos bem aprofundados vão mostrar onde estaria o justo meio termo. Não pode estar certo um País que gasta 800 milhões de preservativos por ano. Onde está o amor, onde está fidelidade, onde está a beleza da juventude casta, moderada? Eu gosto muito quando as pessoas respeitam os vários níveis da ciência. Tem as ciências exatas, as ciências filosóficas, as ciências psicológicas, as ciências teológicas. A soma disso aí é que vai dar a integralidade de uma cultura. Assim como nós no passado não aceitávamos o exagerado dogmatismo de uma Igreja legislando sobre tudo, eu não posso admitir que a gente seja obrigado ao dogmatismo de uma ciência que ainda não é totalizante.

FOLHA - O que a Igreja espera do novo papa?

Tenho a impressão que não podemos pedir que o papa seja um novo presidente dos EUA, que tem o domínio, o poder enorme sobre todos. A Igreja é muito família, é muito comunhão. Ela vai ter que ser muito fiel à realidade dos fatos. Ela tem que, santamente, humildemente, dar respostas a esses desafios. Nós não somos donos da verdade. Nós temos os óculos da Bíblia, interpretada pelo Magistério, que vai nos ajudando a trazer o que seria a vontade de Deus a respeito desse ou daquele assunto.

FOLHA - O mundo se rendeu à pessoa de João Paulo II. Quais os frutos de sua vida entre os católicos?

ALBANO - O Papa João Paulo II foi um catequista mundial. Com seu testemunho, ele mostrou o que é a verdadeira Igreja. Uma Igreja pecadora, com toda condição humana, porém, ansiosa de buscar a santidade na humildade do cumprimento do dever de estado. O mundo inteiro, com a vida e a morte do Papa João Paulo II, conseguiu vislumbrar a verdadeira fotografia da Igreja. Feita de homens desde o começo. Homens que, como os 12 apóstolos, alguns como São Pedro, Tomé e Judas foram falíveis. Porém, uma Igreja que tem um patrimônio de santidade. Com João Paulo II, pudemos recordar certas mães de família dentro de suas casas que, fiéis aos ensinamentos do Evangelho, levam uma vida santa diante de Deus. São tão grandes como o Papa João Paulo II. Nós, porém, não nos preocupamos demais com a questão de número. Mas caprichamos com a qualidade. O que nos orienta é a própria Bíblia que diz que Jesus desejava que nós fossemos fermento, luz e sal para a humanidade. Fermento da bondade, luz para iluminar a fé e sal para preservar da corrupção.

FOLHA - O senhor conquistou os londrinenses pela simpatia e amabilidade. São trunfos de sua personalidade conciliadora que facilitaram o seu diálogo, inclusive, com outras religiões?

ALBANO - Reconheço que Deus me deu um temperamento fortemente conciliador. Não por política, populismo. Procuro amar as pessoas com sinceridade, e toda a minha vida foi caracterizada por uma idéia, de conciliar sem trair a verdade.


FOLHA - O que faz um bispo aposentado?

ALBANO - O padre vai ter ainda mais tempo para rezar, para ler, para escrever e para amar tudo e todos e levar todos a Jesus Cristo.

FOLHA - O senhor vai comemorar os 75 anos com festa?

ALBANO - (risos) Com uma missa domingo às 10h30. Ganheitambém, da minha família, uma viagem para comemorar os 50 anos de padre. Vamos até Assis, Roma e o Norte da Itália, onde estão os antigos parentes.