Ele é classificado como riacho, porém mais conhecido como ribeirão Cambé. Seu berço é um resistente lençol d'água localizado debaixo do movimentado cruzamento entre a BR-369 e a PR-445, nos limites entre Londrina e Cambé. De suas nascentes, que brotam dos dois lados da rodovia, forma-se o leito de 21,5 quilômetros que compõe o mais importante rio urbano de Londrina.
No trajeto, até desaguar no ribeirão Três Bocas, no extremo oposto da cidade, o 'Cambezinho' corta mais de uma dezena de ruas e avenidas, forma seis dos principais lagos da cidade - Lago da Sociedade Rural, Igapós 1, 2, 3 e 4, e do Parque Arthur Thomas -, além de servir como foz de aproximadamente 20 riachos e córregos.
Por sua importância, foi homenageado em agosto deste ano com o livro ''Minibacia do riacho Cambé - Diagnóstico Físico-Ambiental e Mapeamento Detalhado de Solos'', escrito pelo professor de geociências da Universidade Estadual de Londrina (UEL), Nelson Tagima, com colaboração de Nádia Terabe. O resultado, fruto de pesquisa iniciada em 2001, é uma descrição ''de uma das mais complexas mini-bacias do Paraná, pela posição estratégica de seu sistema hídrico'', e, ao mesmo tempo, um estudo das contradições sócio-culturais e da característica falta de cuidado dos brasileiros com seu próprio patrimônio natural.
A reportagem da Folha percorreu a maior parte do 'Cambezinho', durante dois dias, na companhia do professor Tagima e do secretário executivo do Conselho Municipal do Meio Ambiente, Carlos Levy, e constatou que, apesar da beleza e diversidade de sua paisagem, o ribeirão padece com uma saúde precária, fruto de incontáveis formas de agressão.
Entre a nascente, contaminada por lixo - garrafas, latas, óleo, combustível, entre outros produtos - carregado pela chuva, e sua foz, dominada pela coloração escura e espuma gerada por duas grandes estações de tratamento de esgoto da Sanepar, inúmeros outros problemas se acumulam: entulho deixado no rio após pavimentação de rua; ocupação irregular das áreas de preservação por famílias pobres na periferia, e por grandes residências, no Lago Igapó; utilização da mata ciliar para atividades agrícolas; e despejo de resíduos industriais.
Além disso, contribui para a degradação da bacia, a chamada poluição difusa, que decorre de um sistema caótico de escoamento das águas pluviais e escasso conhecimento ambiental por parte da população.
Mas a história do ribeirão nem sempre foi assim. ''Nascido num platô de 600 metros de altitude, cresceu protegido pelo maternal abraço da outrora densa, rica e majestosa floresta pluvial tropical. Presenciou o surgimento de uma aldeia que, vagarosamente, passou à condição de vila, desta para cidade, quando em 1934 foi batizada pelos colonizadores ingleses de Londrina'', conta, com fluência de escritor, o professor Tagima.
''Porém, apenas 20 anos foram suficientes para que fosse despertado pelos estrondos violentos da queda das gigantescas árvores, anunciando o surgimento do inexorável ciclo do café. Desnudado da vegetação primitiva e revestida de capoeira (vegetação de arbustos), a cidade recheou seu centro urbano com um conglomerado de prédios''. Hoje em dia, prossegue ele, serve até como ''jazigo do chamado lixão'', próximo à histórica Estrada do Limoeiro.
Durante a 'expedição' da Folha com ambientalistas, foram encontrados inúmeros personagens dessa história silenciosa que confirmam, por experiência própria, o desequilíbrio ambiental no ribeirão Cambé.
Logo nos primeiros mil metros, pescadores utilizam 'passaguás' (pequenas redes de mão) para pegar iscas de camarão, mas evitam os peixes do local. ''Venho para catar camarãozinho, mas não pesco aqui. O cheiro é muito ruim'', afirma o operário Mauro Silva, de 40 anos, em local próximo a um curtume, ao lado do Parque de Exposições. ''Lá para cima, onde o volume de água é maior, a situação melhora um pouco e dá para pegar tilápia. Mas sem tarrafa e no tamanho permitido, porque se pegar pequeno, depois eles não se reproduzem. Já tem tão pouquinho'', constata, demonstrando um acurado conhecimento ecológico.
Aproximadamente dois quilômetros rio acima, após a passagem de inúmeras indústrias, a situação é ainda pior. Que o diga a chacareira Aparecida Viana da Silva, de 54 anos, que mora na margem de Cambé, perto da sede campestre do Londrina Esporte Clube (LEC). ''Eu criava uns 60 patos e galinhas, mas tem uma empresa de cerâmica que derramou algum produto no rio e morreram quase todos. Ficaram só quatro. Cheguei a chorar de tanta dó'', lamenta. ''Eu ia ganhar um dinheirinho com ele, e acabei no prejuízo.''
Ao final do passeio, o conselheiro do Meio Ambiente, Carlos Levy, afirmou que, apesar de toda a degradação encontrada, não se deixa desanimar. ''Londrina é uma cidade privilegiada pela natureza em razão da quantidade e diversidade de fundos de vale, rios e áreas verdes. A maioria das cidades não tem isso'', analisa. ''Então, penso que é só trabalhar com seriedade que conseguiremos reverter a situação e criar uma cidade com excelente qualidade em meio ambiente. Para isso, é necessário um amplo trabalho educativo, envolvimento da população e apoio dos órgãos governamentais.''(Leia mais sobre o assunto na pág. 16)