Imagem ilustrativa da imagem 8 de março de 2021: dia de pão e não de flores, diz antropóloga
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Se as mulheres já sofrem as consequências da desigualdade, em ano de pandemia o impacto é ainda maior. É o que explica a antropóloga, pesquisadora do Cidacs-Fiocruz, da Bahia, Denise Pimenta. Para ela, o vírus aumenta a sobrecarga do trabalho doméstico e não doméstico do cuidado, culturalmente ocupados por elas.

"Elas estão na linha de frente no cuidado não só nos hospitais, mas nas casas, nas ruas, no âmbito doméstico. A gestão e administração do cuidado é feita por mulheres e isso é extremamente pesado”, defende. Segundo a antropóloga essas consequências são apresentadas não só para a pandemia da Covid-19, como foram vistos no Ebola, Malária, Zika Vírus, entre outros.

O desgaste da responsabilidade que o cuidado traz afeta a saúde física e mental da mulher, mas a antropóloga destaca o silêncio na questão da morte de mulheres grávidas devido à Covid-19 e dos órfãos da pandemia, um dos grandes traumas durante pandemias e epidemias. “Invisibilidade que mostra muito também dessa questão do Brasil como um país conservador, que nos fala de proteção a vida o tempo todo, mas que passa muito distante da discussão da morte materna durante a Covid-19", critica.

ECONOMIA
Quando se fala dos impactos da Covid-19, Pimenta também ressalta que mulheres pretas e pardas e mulheres pobres, periféricas, são mais atingidas. Na economia, muitos brasileiros foram demitidos ou tiveram salários diminuídos, mas antropóloga destaca o fato de que as mulheres tiveram que deixar os seus empregos para cuidar dos filhos, que saíram das escolas para o ensino remoto, além do cuidado com pais e maridos.

Nesse aspecto, critica o fato de que muitas mulheres não receberam auxílio, administrando renda muito baixa, com as crianças em casa e sem rede de apoio. “Da escola, do Estado, que em momento algum construiu rede de apoio a essas mulheres, quando elas se veem sem creche, sem escola”, afirma.

VIOLÊNCIA
Além disso, a vivência do isolamento é experimentada de forma diferente para aquelas que vinham de uma realidade violenta. “A violência doméstica se agrava, porque essas mulheres estavam convivendo em isolamento com agressores e não só dos maridos, mas pode ser do filho, irmãos, pais... Violência sexual, patrimonial ou psicológica. Um agravamento muito grande de questões que já existiam, mas elas se tornam maiores”

EDUCAÇÃO
A evasão escolar na classe baixa em decorrência da falta de acesso à internet e aparelhos eletrônicos foi apontada pela antropóloga. No caso das mulheres, cita também o fato de que, estudando em casa, precisam dividir o tempo dos estudos com o trabalho doméstico. “O espaço para estudar é comprometido, principalmente para as meninas, elas se voltam muito mais para o trabalho doméstico que os meninos”, avalia.

PÓS-PANDEMIA
Diante das dificuldades que o mundo terá para a retomada de uma vida pós-pandemia, a antropóloga cita que as mulheres terão mais dificuldade de recuperação dos seus cargos no mercado de trabalho. “Penso que será oferecido postos mais baixos e salários mais baixos e, com tristeza, eu te digo que elas aceitarão pela necessidade de sobrevivência, pela necessidade”, argumenta.

EPISÓDIO DE LUTAS
A pesquisadora explica que o Dia das Mulheres não é uma data comercial, mas se oriunda de episódios de lutas das mulheres. Um dos episódios mais lembrados é o incêndio à fábrica de Nova York, em que mais de cem mulheres foram queimadas quando exigiam jornadas menores de trabalho e não as 16 horas diárias que estavam submetidas.

Na Rússia, as operárias se juntaram aos homens e foram para a praça pública reivindicar melhores condições de trabalho. “O 8 de março nasce do seio da fome. Então, a meu ver, seria muito mais condizente que a comemoração do dia 8 de março fosse feita com pão e não com flores”, afirma.

Na pandemia, o Dia das Mulheres tem significado ainda mais abrangente. “Neste ano, há de ser levantado que as mulheres, no oito de março pandêmico, continuam e seguem sobrecarregadas. As que trabalham em hospitais, que trabalham na rua e que trabalham em outros serviços. É momento de olhar, eu acredito, para a sobrecarga de trabalho doméstico e não doméstico em cima das mulheres”, afirma.