"A mão que afaga é a mesma que apedreja."
(Augusto dos Anjos)

No dia 23 de janeiro de 2017 — lembro bem a data porque era o aniversário da minha esposa —, em conversa com um amigo, eu disse que um futuro governo Bolsonaro, cedo ou tarde, seria marcado por um fenômeno que permeia as grandes transformações políticas (de esquerda ou de direita): o processo de expurgo.

Em todas as revoluções, sem exceção, os grupos que se chegaram ao poder se voltam uns contra os outros, e em geral vence aquele que adota os métodos mais pérfidos: foi assim com os jacobinos e os girondinos, na Revolução Francesa; com os bolcheviques e mencheviques, na primeira etapa da Revolução Russa; com os stalinistas e trotskistas na segunda etapa da Revolução Russa; com Mao Tsé-tung e rivais na Revolução Chinesa; com Fidel Castro e rivais na Revolução Cubana; com os grupos de Castelo Branco e Costa e Silva no movimento de 1964. Os exemplos históricos são fartos.

Quando tive aquela conversa, há um ano, havia dois grupos distintos em torno de Bolsonaro: os liberais e tecnocratas (liderados por Paulo Guedes) e os militares positivistas (generais). Nem sonhávamos que a esses dois grupos se somaria a plêiade dos intelectuais formados pelo filósofo e professor Olavo de Carvalho. Mas o fato é já começou, dentro do governo Bolsonaro, o expurgo dos "olavetes". Esse ataque parte de falsos amigos de Bolsonaro, que para atingir seus objetivos se uniram perfidamente a inimigos de Bolsonaro: a extrema-imprensa e a esquerda! Daí os afagos do general lacrador a ambas.

No livro "O 18 do Brumário", que analisa o golpe de Luís Bonaparte na França em 1851, Karl Marx afirma que a história se repete duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como farsa. O grande Paulo Francis corrigia Marx em relação ao Brasil: aqui, a história se repete sempre como farsa. Em 1964, os generais usaram a influência e o talento de Carlos Lacerda na conquista do poder, e depois o traíram. Fazem exatamente o mesmo agora com Olavo de Carvalho. A diferença é que Olavo em nenhum instante de sua vida teve a ambição do poder, ao contrário de Lacerda, que sonhava em ser presidente. Meio século depois, a traição se repete; mas agora, com um toque a mais de sordidez.

Não é por acaso que os três ministros ligados a Olavo de Carvalho — Ricardo Vélez, Ernesto Araújo e Damares Alves — foram violentamente atacados pela extrema-imprensa, pela esquerda e pelo general lacrador. A meta é clara: derrubá-los ou enfraquecê-los. Trata-se da revolta da casta político-militar (mandante) contra seus rivais da casta brâmane (pensante); e o pretexto — alegremente adotado pelos velhos políticos, que não largam o osso nem a pau — é a votação da (sem dúvida necessária) reforma da previdência.

Gostaria de finalizar lembrando uma velha história. Lúcifer, o anjo que se revoltou contra Deus, era um querubim, correspondente à segunda patente mais alta na hierarquia dos anjos. Miguel, que o venceu, era um simples arcanjo, equivalente a cabo. Lúcifer foi derrotado porque, em sua vaidade, queria ser maior que o próprio Criador. Espero que o exemplo tenha ficado claro.

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