Imagem ilustrativa da imagem A Variant do meu tio tinha xinil
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Se eu disser que tomar "Ilmo" por abreviatura de "Excelentíssimo", na crônica das palavras erradas, foi um erro proposital, vocês sete acreditam? Acabou ficando mais engraçado assim, não acham? Afinal, todo mundo sabe que "Ilmo" é abreviatura de Ilustríssimo...

E já que estamos falando de erros, na infância eu dizia "xinil" em vez de chenile. Para mim, xinil sempre foi o nome correto da capa de veludo alaranjada que cobria os assentos da Variant do meu Tio Machado. Quando eu viajava para Mirandópolis nas férias, eu e meus primos vivemos boas aventuras a bordo dessa Variant. Lembro-me que no câmbio do carro havia um escorpião que me daria até medo de trocar de marcha, caso eu viesse a dirigir o veículo, algo que, como todos vocês sete sabem, jamais aconteceu. Mas, além do escorpião, havia a imagem de Nossa Senhora Aparecida pendurada no retrovisor, e ela nos protegia de todos os males.

Certa vez eu levei uma fita K7 do Queen para ouvirmos no caminho para a pescaria no açude da fazenda da Tia Lourdes. Botei "Play The Game" no toca-fitas, mas o Tio Machado não gostou muito da música: apelidou o grupo de "Joaqueen" e disse que a Perla cantava muito melhor. Mesmo assim, até hoje, quando ouço alguma canção com a voz do Freddie Mercury, penso no Tio Machado e nos lambaris que pescamos naquele açude. Atrás do açude, havia um bambuzal e um brejo. Mais adiante, víamos um terreiro de café. Aquelas pescarias eram inesquecíveis; sempre sonho que estou lá, na fazenda da Tia Lourdes, e ouço a voz dos bambus em sua conversa indecifrável...

Quando voltávamos das pescarias, a bordo da Variant com xinil laranja (Tio Machado tinha substituído a fita do Queen por uma da Perla), eu não via a hora de chegar na casa dos meus primos Beto e Renato para brincar com eles de Falcon. Cada um de nós tinha o seu Falcon, mas o do Beto era especial, por possuir cicatrizes de guerra (certa vez pegou fogo na barraca e o Falcon dele ficou chamuscado e absolutamente careca). Quando a brincadeira de Falcon terminava, eu ia até a estante para ler um dos livros da coleção do Júlio Verne. Sonhava com o dia em que poderia viver uma aventura tão emocionante quanto "Vinte Mil Léguas Submarinas" ou "Viagem ao Centro da Terra". Nem imaginava que a maior aventura era a própria infância...

O lanche da tarde era na casa da Tia Ruth e da Tia Iete, perto da Igreja e na frente do Fórum. Tomávamos Coca-Cola e comíamos bolo (não sei por quê, mas até a Coca-Cola parecia mais gostosa na casa das minhas tias). Depois do lanche eu ia para o quartinho dos fundos, onde estava a coleção "Curiosidades", 11 volumes de capa vermelha e branca, com pequenos toques de prata. Certa vez li quais foram as últimas palavras de grandes personagens da história, e um dos casos me chamou a atenção. Eram as últimas palavras de um obscuro Goethe: "Mais luz, mais luz!"

O sino da Igreja tocou. Eram seis horas, no horário de Deus.