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A época atual é marcada por movimentos de indiferença. A vida social aparece codificada em normas, números e categorias. Da linguagem cotidiana às abstratas apreciações predispostas a racionalizar o mundo, tudo obedece a lógicas empresariais. Fala-se em "marketing pessoal" e "empreendedorismo de si" como se a realidade se reduzisse a estratégias de adaptação de um sujeito flexível a uma objetividade turbulenta, conduzida pela financeirização das relações sociais. Na prática, o que está em jogo é a criação de uma humanidade supérflua, composta de sujeitos em fluxo contínuo.

As biografias mais valorizadas são aquelas que superam os desafios impostos pela economia hipercompetitiva e sobressaem na infinita guerra pelo sucesso. Admiram-se, portanto, personagens de um mundo encantado, em que a desigualdade social e a exploração humana não existem ou, ao menos, nada significam. A condição ideal é cumprir metas e vencer as etapas de uma realidade que se tornou uma selva. (Alguns anos atrás, vestibulares para ingresso em faculdades privadas de qualidade bastante duvidosa afirmavam que o mercado era uma selva e o dever das boas instituições de ensino passava por preparar seus "clientes" para sobreviver em meio à hostilidade generalizada.)

A polarização de ideias é a cereja do bolo. Ou se sabe, ou não se sabe. Ou se é do bem, ou se é do mal. A percepção dialética da história – aquela que investe na busca de contradições e no pressuposto de tensa coexistência entre diferentes lados de incontáveis moedas – é sumariamente descartada. A individualização extrema nos espaços públicos (sempre mais eletrônicos e afeitos ao narcisismo agressivo) anula a necessidade do argumento e da construção coletiva do conhecimento. As fontes se tornam manipuláveis, em nome de uma ofensa gratuita mais ruidosa, de uma "lacrada" para grandes repercussões. O outro, mais do que nunca, é o inferno de cada um.

Nada mais desonesto, intelectualmente, do que estabelecer verdades de antemão. Há quem defenda liberdade para uns e prisão para outros, validando um sistema elitista e tendencioso. Existem atores que creem em escolas infestadas de doutrinadores (que precisam ser monitorados e punidos) e, ao mesmo tempo, reivindicam que desmedidas garantias de expressão sejam concedidas a quem mente sobre a história, subverte números, vale-se da má-fé para grunhir em vídeos na internet. Uma das mais assustadoras características desta época de "sujeitos-fluxo", aliás, é a falta de compromisso com o uso oportuno do tempo: é de espantar mesmo o tanto de gente que joga pelo ralo suas vidas, acreditando que o vazio de suas almas será preenchido por "likes" obtidos em postagens nas redes sociais. Chegam a criar robôs para lhes acariciar o ego.

Quando o real deixa de ser uma instância de partilhas efetivas, tendo no horizonte a felicidade comum, suas partes se despedaçam e não se veem mais como iguais. Restam, então, a selva de horrores e o discurso enganoso de como nela sobreviver. De fora, enfim, ficam as chances de entender o mundo e fazer dele um bom lugar para todos.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL - [email protected]