Imagem ilustrativa da imagem Qual opinião?


É conhecida a indignação que o sociólogo franco-argelino Pierre Bourdieu (1930-2002) manifestava diante da perigosa ideia de que tudo é questão de opinião. Não importa a complexidade do tema: todos querem ter direito de se expressar e ter validadas suas propostas. No caso da política, da cultura e da organização da vida social, multiplicam-se as fórmulas de sucesso, em nome das quais se reivindicam visibilidade e audiência. Pena que o rigor dos argumentos e a historicidade inerente aos fatos não costumam acompanhar um bom tanto de gente que opina sobre tudo e todos.

Com o desenvolvimento e a popularização das redes sociais, um número significativo de indivíduos e grupos encontrou meios para propagar valores. Aqueles que não obtinham espaço em veículo nenhum para ingressar no debate público têm agora a oportunidade de dar amplitude ao que pensa e deseja. O sinal positivo dessa novidade é o acesso a vozes, mãos e cabeças talentosas e antes silenciadas pelo monopólio da produção cultural que gira em torno de grandes organizações empresariais.

No mais famoso depositário de vídeos da internet, por exemplo, cresce a cada dia o número de "canais" com assuntos e personagens muitíssimo interessantes, que oferecem leituras alternativas a eventos e falas, além de ampliar o rol dos campos de entretenimento, investindo energias em livros, filmes, canções e ciência. Graças ao esforço de gente até bem pouco tempo atrás condenada ao anonimato que a rede mundial de computadores respira e não se permite entregar à barbárie. Infelizmente, o espaço ocupado pelos que têm "opinião" e, paradoxalmente, nada a dizer é bem mais frequentado.

Bourdieu afirmava que havia no senso comum (conservador por excelência, uma vez que irreflexivo e dogmático) uma forte tendência a glorificar o discurso pirotécnico. O chamado saber especializado, cujos meandros não passam de charmosa incógnita para a maioria dos indivíduos, raramente é questionado. Pior: a maioria das pessoas se inclina a acreditar cegamente nesses discursos, reproduzindo-os acriticamente. Ciência vira cientificismo; política se rebaixa a politicagem; cultura é apropriada pela ideologia (nunca pela utopia); informação cai no conto das fake news; ideias se convertem em mercadorias e passam a ser disputadas numa "bolsa informal de valores", na qual a verdade e a história, a autocrítica e o respeito pela diversidade não valem absolutamente nada.

As ciências humanas e a filosofia têm destino diferente. Vira e mexe, a filosofia é confrontada com "opinião", como se não existissem, no campo das humanidades, pesquisas, cotejos, métodos e tradições. Nesse sentido, qualquer um pode requerer status de sociólogo, cientista político, historiador, antropólogo ou filósofo. Quando consciências amargas e revanchistas (e teoricamente paupérrimas) se escondem atrás de palavras metafísicas e mentirosa fé, o debate é cancelado. É isso que a "opinião" estimula, vergonhosa e tragicamente.

Não se trata, é óbvio, de pleitear aos profissionais dessa ecologia de saberes qualidades titânicas. O anelo é outro: conceder-lhes respeito pelo árduo e digno trabalho que realizam. Muito mais edificante do que disseminar "opinião" em minifúndios virtuais é aprender a ouvir aqueles que, na luta para superar a rasura analítica, objetivam construir um espaço público real, em que o debate se faça de ideias substantivas. A questão, portanto, é: qual opinião?