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Toda época tem suas palavras-chave. Guerra ou paz, autoritarismo ou democracia, diversidade ou intolerância, inteligência ou oportunismo. Misturadas e a formar combinações singulares, as palavras dizem muita coisa sobre a cultura que recobre as relações sociais, dando-lhes viço ou opacidade. Assim, é possível ser uma democracia meio autoritária, militarizada, com tolerância seletiva e inteligência relativa. Do mesmo modo, autoritarismos com máscara democrática, respeito meramente formal (recheado do desejo por armas e extermínio) e inteligência monetarista existem aos montes. Palavras, enfim, se compram e se vendem, a gosto do freguês.

O tempo presente tem pressa e sonha ser cada vez mais veloz. Na verdade, poucas palavras emprestam sentido tão forte à vida contemporânea quanto "ansiedade". Ler cansa, ouvir música entedia, assistir a um filme aborrece, fazer longas caminhadas chateia. O silêncio se tornou um luxo, em cidades barulhentas, em meio a multidões cuja estridência embala a passagem dos dias.

Tudo que exigia envolvimento e busca foi perdendo tamanho e densidade. Menos esforço para tudo, mais tempo para nada. Horas diante da tela de um computador ou telefone celular; nem mesmo um instante para o velho romance de Machado de Assis ou o clássico álbum ao vivo do Pink Floyd. A vida exige rapidez. Bom é ser mil em um só, estar em todos os lugares ao mesmo tempo, ver tudo, não sentir nada, não se envolver com ninguém. No final de cada dia, a realização se dá ao percorrer freneticamente as redes sociais, distribuir curtidas e, se a preguiça não for muito grande, destilar veneno em comentários vazios e agressivos.

Cursar o ensino superior em qualquer birosca em dois anos, terminar o ensino médio no sofá da sala, acompanhar séries de TV para driblar a solidão das madrugadas e tentar enganar as insistentes chamadas da vida para que haja reação, enfrente-se a estupidez pós-moderna, ressuscite-se a ideia de que vale a pena investir em sensibilidade e conhecimento, emoção e razão. A grande fuga do mundo nada mais é do que o medo de conviver, compartilhar, ver-se no outro e permitir-se ser importante para alguém. O outro - esse enigma universal - é o espelho que precisa ser refutado, no intuito de manter viva a ilusão de que o indivíduo se basta. A grande questão, no entanto, se impõe: é preciso dar um basta na ilusão e encarar-se no espelho.

A palavra-chave da economia é "privatização" - vender tudo, amesquinhar a experiência comum, fazer dos ricos mais ricos, dos pobres mais pobres. No fim, dilatar a indiferença e dar dimensões cósmicas ao esquecimento. Na política, a palavra-chave é "desmemória" - voltar ao passado atroz para eliminar o futuro em dois lances: o voto e a mentira. Na cultura, em vez de palavra-chave, a moda é uma pergunta faceira: "Para que cultura?!"

A ansiedade que conduz a vida bloqueia o debate público e nubla as visões de mundo, mantendo a hegemonia dos valores burgueses: individualismo, mercado, fugacidade e hipercompetitividade. Nesses termos, desaparecem os sentidos qualitativos da vida, restando somente aquilo que pode ser mensurado. A palavra-chave capaz de inverter essa lógica perversa e desumanizadora permanece sendo a mesma: coragem.