Um dos temas mais difíceis de encarar é o da morte. Por mais que a cultura envolvente possa estabelecer critérios compensatórios para lidar com a perda de entes queridos, a dor é inevitável. Crenças na ressurreição, no paraíso eterno, na acolhida divina, nada disso supera o fato de que, a partir de um determinado momento, estar um pouco mais só é uma regra da existência.
É precisamente na associação entre perda e solidão que repousa o aspecto mais inquietante da morte. A imagem de um deserto à frente da imaginação, com todos os perigos e inevitáveis frustrações, só é suportável quando se admite poder atravessá-lo na companhia de gente estimada. Ao cair da tarde e ao nascer do sol, a sensação de que diferentes sujeitos se amparam e se completam é um alívio. O medo é mantido sob controle. A confiança de que tudo dará certo aumenta e orienta a caminhada. Nesse sentido, a esperança conquista prorrogações diariamente.
A certeza da morte, contudo, é implacável. Avós, pais, parceiros, todos se vão. E todos permanecem de algum modo. Essa dialética entre o corpo que desaparece e o espírito que continua torna o mistério da morte assombroso e iluminante ao mesmo tempo. A solidão produz memória, e a memória vai registrando passos, desenhando estratégias, educando as novas gerações. Sem a morte, não haveria história; sem a história, não há como saber de onde se vem, onde se está, para onde é possível ou desejável ir. Essa enorme responsabilidade de seguir adiante pelo deserto, depois da morte daqueles que fizeram toda a diferença, é o único elemento definidor do ser humano. Essa força é sua imortalidade.
Em épocas de profundo desprezo por ideias, princípios e valores – quando vicejam extremismos e opacidades em palavras e ações de indivíduos e coletividades –, a morte daqueles que eram um farol no mar dos absurdos é mais doída, uma vez que a escuridão sobressai na batalha contra a luz da serenidade. A partida de gente sensível em tempos de grosseria generalizada é razão de pesar. Quando se despedem da vida aqueles que faziam análises profundas em cenários nos quais todos, no raso, batiam cabeça, a morte sorri e, apressada, acredita ter vencido. A morte, no entanto, é desatenta: ela nunca leva o que de cada um ficou em todos os outros. A memória é imperecível. Por isso, a ideia de fim do mundo não passa de um precipitado equívoco. O novo amanhece.
As gerações do presente carregam consigo as marcas daqueles que se foram e, dialeticamente, ainda estão por aí. O desafio é separar o bom do mau legado e encontrar bonança após a fúria das tempestades. No registro do tempo, existem lições valiosas de saudáveis utopias e humanas práticas, ao lado de intenções malévolas e consequências desastrosas. Entre erros terríveis e repetições condenáveis, abundam depoimentos sinceros e factíveis, exemplos dignos e sedutores, lutas fraternas e emancipatórias. A leitura da história requer desejo e dedicação, um profundo sentimento de amor-múndi. O contrário costuma ser um pouco mais de solidão no deserto da vida.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL
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