Todo início de ano carrega grandes expectativas. Indivíduos e coletividades transferem para o novo tempo sonhos antigos e recentes, projetos inacabados ou nunca iniciados, a velha certeza (jamais contemplada) de que o calendário renovado trará, numa bandeja, o que esteve distante ou se revelou impossível no período anterior. Não se sabe se a repetição desse tipo historicamente frustrado de expectativas é um defeito de fábrica da humanidade ou um mecanismo programado de preservação da autoestima. O que não se pode negar é sua existência generalizada, em toda parte, em diferentes épocas.

O começo de cada ano, contudo, seria alvissareiro se anunciasse momentos de revisão de pensamentos e ações cotidianos. Como se tem, de fato, encaminhado a vida? Em que se acredita? Há coerência entre o dito e o feito? De que valores se revestem as palavras e as práticas tornadas públicas? O saudoso Barão de Itararé, com humor e sabedoria, costumava afirmar que a única coisa que se leva desta vida é a vida que se leva.

Um tema cercado de desconfiança e tratado muitas vezes com pobre ironia é o das mudanças climáticas. Embora os dias quentes estejam cada vez mais insuportáveis e os dias de inverno arrepiem impiedosamente, como se pode constatar pelos mapas climáticos em todo o mundo, é comum que teses ambientalistas sejam desqualificadas e acusadas de "radicalismo". Na fronteira dos absurdos, é possível ouvir que todo ecologista é uma "melancia", numa clara alusão ao fato de as aparentes palavras de ordem "verdes" esconderem, no seu âmago, um "comunista" recheado de "vermelhas" intenções políticas e ideológicas. Seriam até engraçados esses modelos de explicação da realidade se não escondessem uma trágica visão de mundo.

Imagem ilustrativa da imagem O mito do progresso
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Há, disseminada e subentendida, uma crença no progresso como algo sempre bom e positivo. Nada deve frear o que abastados fragmentos de classe social consideram ser desenvolvimento econômico e prosperidade material. Produzir e consumir de forma cíclica e ininterrupta, segundo determinada mentalidade contaminada pelo "mito do progresso", é parte integrante do processo civilizatório.

Não importa que os padrões atuais de produção e consumo gerem poucos e mal remunerados postos de trabalho, estimulem o consumismo ensandecido, derretam laços de solidariedade, reproduzam quantidades surreais de lixo, desperdicem energias humanas e condenem o futuro a ser um eterno "museu de grandes novidades". Importante, pregam os defensores do mito, é que a roda da fortuna (concentrada em poucas mãos) não pare de girar.

Uma verdadeira transformação da vida requer um consciente enfrentamento da indiferença. O mundo de cada um e a existência da humanidade como um fenômeno amplo e complexo coincidem e estão intimamente relacionados. Entender, por exemplo, como a atitude diária dos indivíduos impacta na saúde do planeta e no bem-estar dos povos é ponto de partida para que as expectativas tão comuns de ano novo vençam a frustração e se convertam em bem-aventurança. Para tanto, é urgente sepultar os mitos trágicos que, sob vestimentas pós-modernas, insistem que a terra é plana.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL, [email protected]