Imagem ilustrativa da imagem Nadar e voar
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O conhecimento depende do tipo de relação que se mantém com aquilo que se quer desvendar. É célebre a bela metáfora do sociólogo Norbert Elias (1897-1990) sobre o tema. O autor de "O processo civilizador", supondo que a sociedade possa ser representada pela imagem de um oceano, diz que existem dois tipos de intérpretes dos fenômenos da vida: o nadador e o aviador.

Ao nadador sempre caberá a vantagem de estar "mergulhado" em seu objeto de análise. Ele conhece a temperatura da água, sua densidade e seus movimentos. O oceano, ainda que imenso, lhe parece muito próximo e familiar, uma extensão de si mesmo. Graças a esse contato direto, o nadador obtém e aprimora um conhecimento prático, que permite a ele assumir uma postura mais imediata no que se refere às dinâmicas e complexidades de tudo que habita as caudalosas águas oceânicas. Essa dádiva do pragmatismo impõe, contudo, limitações severas ao conhecimento, típicas de quem vê a vida a partir do próprio umbigo e se dá por satisfeito.

Já o aviador goza de uma visão privilegiada do oceano, da amplitude do cenário, do encontro das águas, da formação de praias e porções de terra ricas em biodiversidade. A distância real entre o aviador e as extensas águas do oceano empresta ao observador um generoso leque de mediações entre seus interesses e aquilo que está à disposição da reflexão humana. A aparente desconexão entre o olhar e o visível garante um conhecimento que não se deixa levar pelas armadilhas do imediatismo, das tentações à simplificação do que se revela presente e próximo demais – ao mesmo tempo, o abismo entre o "eu" e o "mundo" pode acarretar frieza e pouca precisão analítica, o que dá ênfase a muita abstração e nada úteis impressões panorâmicas da realidade.

A síntese entre nadador e aviador, segundo Elias, traria à luz análises sensíveis e profundas, que levassem em conta as necessidades do presente, as insistências incontornáveis do passado e as utopias futuras que revelam o vigor do pensamento. A união inteligente entre os modos de observar daqueles que estão imersos naquilo que querem conhecer e dos que, de longe, detêm-se cuidadosamente sobre as variações do mapa-múndi produz reflexões pertinentes e abrangentes, atendendo tanto às pressões do singular quanto às carências de uma visão de mundo efetivamente universal.

Em tempos de saberes rasteiros e fácil disseminação de opiniões sem nenhum compromisso com a verdade e o conhecimento – ou seja, sem caráter público –, a metáfora de Norbert Elias ganha muito mais importância e passa do simbólico ao real, apontando quanto a crise desta era de ódio, dor, ressentimento e baixa proposição de valores para além das esferas apequenadas da mesquinhez privada tem reduzido o olhar humano sobre a vida e o mundo. Em casa, nas escolas e nos múltiplos ambientes da experiência comum, a hora é a de estimular crianças e jovens a nadar e voar, juntos, em direção a um futuro que cheire à decência e preze, acima de tudo, pelo amor ao próximo e ao distante.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL [email protected]