Na filosofia alemã, a expressão "lebenswelt" designa as condições reais em que pensamentos e ideias nascem, amadurecem e interagem. O "mundo da vida" – a melhor livre tradução da palavra para a língua portuguesa – é, portanto, superação e partilha, a passagem das dimensões íntimas de cada um para a esfera pública pertencente a todos.

É no contato direto com a realidade e no fortalecimento dos laços intersubjetivos que as ideias ganham força e deixam suas marcas no tempo. Ser republicano e democrata, por exemplo, já foi algo considerado herético; do mesmo modo, a escravidão e a dominação masculina já foram consideradas "naturais", uma elocução da divindade. A "lebenswelt", entretanto, também produz seus anacronismos, posto que a vida não é uma caminhada irreversível numa só direção. O que dizer daqueles que defendem, no Brasil atual, o retorno da ditadura civil-militar, a justiça feita à mão, a censura ao trabalho de professores e o endeusamento de grupos e classes responsáveis, na história, pela nossa terrível desigualdade social? Há, pois, um "mundo da vida" que vislumbra, na resistência da utopia, o futuro – e um outro, revitalizado, que se volta intencionalmente para o passado.

O sociólogo português Boaventura de Souza Santos definiu algumas razões pelas quais não vale a pena abrir mão do pensamento, ou seja, do esforço por uma "lebenswelt" que não tenha receio do amanhã. Embora a época atual se proclame autorreflexiva, repleta de meios capazes de fazer voar a informação, o autor de "Pela mão de Alice" insiste que a carência por bons pensamentos e ideias é o emblema maior do presente.

Deve-se pensar, relata Sousa Santos, porque a maioria não tem condições de fazê-lo, mergulhada que está na corrida pela sobrevivência. As grandes dores do mundo se revelam, entre outras coisas, no fato de que um mínimo bem-estar está cada vez mais associado a impressionantes doses de medicação. Vive-se, aqui e ali, de modo cabisbaixo, como se o fracasso fosse a única conquista possível no horizonte. O "mundo da vida", nesses termos, parece ter perdido a capacidade de se superar e compartilhar boas novas.

O pensamento também se faz urgente diante da expansão dos meios de comunicação e de interação virtual. A quantidade de informações e juízos compartilhados de maneira cada vez mais rápida e sem nenhum filtro exige criticidade e um estado de alerta permanente. Catastrofistas e conservadores, duas faces da mesma moeda, se assanham cada vez mais na defesa de um mundo que desmancha sonhos e libera todos os expedientes para reprimir as lutas dos subalternos. Pensar, portanto, desencobre o que os donos do mundo tanto se esforçam por esconder e dizer que não existe.

Nem tudo está pensado, afirma Boaventura de Sousa Santos. O lado aberto da "lebenswelt" permite que o impossível seja desejado. E é esse desejo que o torna muito mais forte que a realidade. A "lebenswelt", entretanto, precisa ser compartilhada – o pensamento que a cria deve ter na ação sua razão de ser. O "mundo da vida" é e permanecerá sendo movimento, por mais que alguns tanto se debatam para congelar a história e de seus erros mais drásticos continuar a se beneficiar impunemente.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL – [email protected]