Imagem ilustrativa da imagem Jesus e a humana rebeldia do Natal
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É muito agradável o clima geral de final de ano. Ascende a necessidade de organizar ideias e avaliar planos e condutas. É também chegada a hora de aproveitar as férias escolares dos filhos, diminuir o ritmo de trabalho (sonhando com recesso para as festas) e planejar viagens. Isso tudo pode ser realidade ou desejo. O fato é que, ao final de cada ciclo de doze meses, amplia-se a possibilidade de convívio, com mais gente por perto e mais tempo para as indispensáveis partilhas afetivas entre amigos e familiares. Numa síntese nada exagerada, é possível dizer que a imagem do Natal no horizonte é muitíssimo bem representada pela fatia humana e humanizadora contida em cada indivíduo e ainda não esgarçada pela truculenta sociabilidade capitalista.

O Natal também é momento de celebração do nascimento de Jesus de Nazaré. O teólogo brasileiro Leonardo Boff, de renome internacional e recém-chegado aos 80 anos de idade, costuma afirmar que Jesus era tão humano, mas tão humano, que só podia mesmo ser Deus. Nesse momento, a imagem do Cristo transcende a si mesma e se torna exemplo histórico, dialogando com cristãos e não cristãos, com todas as formas de espiritualidade. Deus - em geral um ser altivo, intempestivo e inacessível - converte-se em um igual a todos, na carne, na palavra e nas formas de ser e agir.

Em que consiste, afinal de contas, a humanidade divina de Jesus? De que modo ele pode servir de inspiração numa perspectiva mais universalista, para além das particularidades e até excentricidades dos dogmas religiosos?

O filho de José e Maria, nascido numa manjedoura, tornou-se o sujeito extraordinário que é e sempre será porque ousou denunciar e enfrentar poderosos e vendilhões, gente que fazia da fé um podre instrumento para a construção de palanques demagógicos e práticas cruéis. Jesus, o líder de trajes modestos e aparência comum, não titubeou na defesa de homens e mulheres humildes, invisibilizados no seu tempo, desprezados pelo devir histórico. A vida de Jesus foi exemplar na substituição da arrogância pela ternura; na predileção, no lugar da demonstração de autoridade infecunda, pela generosidade e intensa capacidade de cativar; na aposta no olhar amoroso, no gesto repleto de compaixão, em vez de se deixar levar pela sedução do jugo e da ostensão.

O neto de Ana e Joaquim, exatamente pela transbordante coerência e pela inefável coragem, foi feito preso político, foi humilhado, torturado e assassinado pelos donos do mundo à época. Seu legado deve mover corações rebeldes e instruir a dignidade das ações humanas na luta contra os poderosos de hoje e de amanhã, em todas as circunstâncias. Jesus pregou o amor e, a um só tempo, a justiça e a devoção aos mais pobres. De maneira expressiva, o jovem que percorreu a Galileia em busca de bons diálogos, felizes encontros, vinho e festa foi um revolucionário de armas municiadas pelo dom da bondade, do carinho pelos trabalhadores, do enorme bem-querer dirigido às pessoas que não se permitiam contaminar pelos incontáveis e desagregadores vícios da realidade. Jesus de Nazaré foi, acima de tudo, um homem de ação.

Que o clima de paz e boas expectativas que o Natal traz possa ajudar na superação dos usos indevidos da imagem de Jesus por demagogos e oportunistas, convenientemente convertidos à luz do vil metal e eternamente assustados pelos fantasmas que habitam suas almas. Que a energia histórica do Cristo triunfe no coração daqueles que seguem seu itinerário na incansável proteção dos mais humildes filhos deste mundo. Só assim a fé se converterá em ação, só assim a palavra que se diz cristã terá brilho e legitimidade.