Uma ideia fecunda é sempre ambígua. Deve carregar originalidade e, ao mesmo tempo, revelar-se bem acompanhada de obras e autores que possam sustentá-la, dar fôlego e credibilidade. Nesse sentido, um texto rico é aquele que apresenta algum ineditismo na análise e, paradoxalmente, surja à luz amparado por conceitos e categorias que recebem amplo e vasto respeito na história das ideias. A fonte de uma ideia é seu corolário.

Riqueza e rebeldia são qualidades complementares a uma ideia potente. O desejo de transfigurar injustiças, quebrar rotinas, sublimar explorações e dar nó no senso comum (esse libelo do mal-estar pós-moderno) torna uma ideia um sentimento ou valor universal. Nas artes da palavra - da poesia romântica ao cancioneiro popular, do cinema neorrealista à crônica política, da literatura de cordel aos tratados científicos -, a rebeldia é matéria-prima da genialidade que as ideias semeiam, colhem e transformam em linguagem cotidiana.

Walter Benjamin, um genuíno rebelde, propunha que citações fossem inesperadas, verdadeiramente surpreendentes, capazes de produzir desconforto em face dos comodismos a que são lançados os indivíduos numa era de intensa fragmentação do caráter humano. O tempo em que escrevia Benjamin está ainda presente.

É comum, entre articulistas e colunistas da imprensa "oficial" ou "oficiosa", a chuvarada de citações avulsas, do tipo que impõe lugares-comuns, agride a ambiguidade necessária às ideias pertinentes. Alguns desses "autores" sofrem de nítida e preocupante crise de identidade: ao escreverem, expõem o que pensam e dizem outros sujeitos, feito papagaios de pirata, heterônomos, sem nenhum viço. (O saudoso Barão de Itararé, que vale a pena citar inadvertidamente, dizia que polemistas profissionais são como tambores: fazem enorme barulho, mas são ocos.)

Em "A sociedade do espetáculo", que Guy Debord publicou em 1967, há menção à ideia de "ilusão do encontro". Trata-se de mais uma citação que, por sua bela ambiguidade, escapa à armadilha do diletantismo dos conservadores e indiferentes (condições político-ideológicas que, em geral, dão na mesma coisa). Ávida por atribuir ao consumo de bens "culturais" um papel de destaque nas sociedades de mercado, a "ilusão do encontro" rende todo tipo de gente. A comunicação pública, então, produz "calmarias" e "alucinações", para que tudo pareça bem e as pessoas possam mergulhar no entretenimento e na diversão sem remorso. Como o mundo não tem jeito, a diversão é a única saída. Esse tipo de "ideia", em vez de erguer pontes e inspirar partilhas, promove segregações e exponencia o individualismo. Diante da TV de 100 polegadas, o mundo intransferível de cada indivíduo ganha cor e faz desaparecer as nuvens cinzas do céu real que existe para além dos telhados domésticos.

O espetáculo das mercadorias que prometem uma vida radiante longe das agruras da realidade é também recurso recorrente nas ideias de políticos profissionais e representantes de governos que não têm à frente o espírito de grandes estadistas. Sem ambiguidades que as tornem complexas, criativas e oportunas, as falas de certos sujeitos públicos resvalam no absurdo. No Brasil, por exemplo, perseguir comunistas é condição essencial para o sucesso das políticas educacionais. Sem os vermelhos, instituições escolares e de pesquisa brilharão como nunca. Pior do que isso, só os vaticínios do "Ministério das Alucinações Exteriores": tudo que vem de seu titular, além de não carregar nenhuma ambiguidade, produz desespero, uma espécie de riso às avessas, que não sai, trava, diante da constatação de que a insanidade não conhece limites quando as ideias são carentes de fecundidade.