Toda objetividade encontra apoio ou resistência na subjetividade. Aqueles que desejam dominar o mundo, para dele fazer um jardim de orgias particulares, precisam fabricar a mentalidade geral que lhes dará suporte e, ao mesmo tempo, conter os impulsos contrários a suas determinações.

O acaso, nesse sentido, não existe. A imagem que destacou o Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em chamas, na semana que abre os festejos da "independência" (as aspas são, neste instante, preventivas), é o que se pode nominar "tragédia anunciada". A piromania da "objetividade" no que diz respeito a tudo que não corresponda a lucro fácil e imediato é notória e produtora de históricas catástrofes.

Imagem ilustrativa da imagem Há chamas de esperança?
| Foto: Mauro Pimentel/AFP



A efetivação das subjetividades em nosso país se vê desde sempre convencida a desprezar os valores que não atendam à multiplicação de cifras ou ofereça algo "prático" aos indivíduos e seus interesses imediatos. Economia, emprego, família, escola, religião, tudo gira em torno da ideia de obtenção de vantagem. Sob custódia do neoliberalismo, o mundo cria indivíduos que se tornam "empresas de si", em busca de competências e habilidades que os qualifiquem para a guerra na selva mercantil. A única regra é sobreviver - e muito bem, custe o que custar.

Quando um patrimônio cultural se perde; quando uma escola se fecha; quando um instituto de pesquisa se torna desnecessário; quando um professor é cercado pela sanha dos ignorantes que, tais quais vampiros, sugam o sangue das liberdades democráticas; quando muito pouca gente é capaz de perceber o que se perde entre as chamas que destroem os percursos da história, nada mais tem valor, a não ser o vil metal.

É num cenário de desespero, em que todos lutam contra todos para nada conquistar, que oportunistas pedem votos, mesmo sustentando a realidade que inferioriza a educação e vulgariza a cultura, mata de fome quem só deseja trabalhar, exclui os sonhadores e criminaliza os insurgentes. Trata-se dos mesmos sujeitos que defendem privilégios de casta a membros de certos poderes para, diante das acusações de injustiça que praticam cotidianamente, possam ser inocentados. Na roleta-russa entre poderosos e subalternos, safam-se aqueles que cortam recursos de museus e instituições de ensino e pesquisa, uma vez que se deliciam ordenando que educadores e cientistas sejam espancados no meio da rua.

Os piores indivíduos - os exemplares luxuosos das subjetividades empobrecidas do neoliberalismo contemporâneo - são aqueles que, a despeito de atearem fogo na história, fingem que são inocentes e prometem consertar o mundo do qual retiram ilimitados proveitos. São sujeitos que odeiam o futuro. E, por isso, destroem o passado e tornam áspero o presente.

Uma nação independente (retiradas as aspas) sabe qual fogo lhe deve arder na alma. Não é o fogo insensato daqueles que, em defesa de si mesmos, elegem as prioridades mais elitistas e equivocadas, mas, sim, o fogo que forjará uma nova realidade. O Brasil precisa se apoderar do sentido das filhas da esperança, das quais falou Santo Agostinho: a indignação, para jamais aceitar a "objetividade" tal qual ela é, e a coragem, para alimentar a "subjetividade" na luta por mudanças radicais.