"Roma, cidade aberta", de Roberto Rossellini, lançado em 1945, é considerado um dos mais importantes filmes da história do cinema. A película retrata a união entre comunistas e católicos para expulsar os nazistas da capital italiana. Declarada "aberta" pelas autoridades, Roma incita seus cidadãos a se organizar e resistir. A obra, um ícone do movimento neorrealista, é um convite inteligente para pensar as relações entre o meio urbano e seus habitantes, a estrutura econômica que acelera ou detém a exclusão, as formas de vida política e os debates em torno de como dividir e ocupar o bem comum e os espaços particulares.

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Uma cidade aberta, na linguagem dos conflitos beligerantes, trata da capitulação diante do reconhecimento de superioridade do inimigo - não haverá, então, mais esforço para conter o ímpeto dos invasores. É uma espécie de aceite da derrota. Em termos sociológicos, a ideia de "cidade aberta" pressupõe questões diferentes, que acenam à política.

Em seu livro "Construir e habitar: ética para uma cidade aberta" (2018), o sociólogo estadunidense Richard Sennett investiga a arquitetura física e moral de cidades contemporâneas em todo o mundo, em busca de características que as possam detectar "abertas" ou "fechadas". O intuito de Sennett é compreender quais relações há entre os modos de conceber e viver a cidade, isto é, como ela se abre ou se fecha, na teoria e na prática, a seus habitantes. Existem "muros" que segregam? Há lugares superprotegidos e grotões esquecidos nas grandes metrópoles? A ideia de gueto está presente em pleno século 21? Os conflitos de classe são realidade ou, como deseja a mentalidade conservadora, um tema absolutamente extemporâneo na vida urbana? Essas e outras perguntas iluminam a escrita de Sennett e o colocam entre os mais destacados intelectuais da atualidade.

Último volume da trilogia "Homo Faber", integrada também por "O Artífice" (2008) e "Juntos" (2012), "Construir e habitar" é um livro que desperta inquietações sobre as fragilidades do mundo urbano. Vive-se em cidades que controlam as chances de indivíduos e grupos sociais. Os acessos já estão proibidos ou se revelam permitidos de antemão, como se a natureza houvesse eleito os cidadãos por excelência, as "classes perigosas" e os insignificantes (os eternos figurantes da paisagem). O lugar das melhores escolas e eficientes hospitais, dos suntuosos centros de compras, das belas fachadas de negócios, dos paradisíacos parques e bem cuidadas praças, das residências luxuosas, tudo isso é previamente demarcado, valorizando as coisas das pessoas já valorizadas e desgraçando ainda mais a existência daqueles que já estão desgraçados. Parece, pois, não haver momento para a indignação e a política. As cidades estão "fechadas" para aqueles que, de fato, nunca foram bem-vindos ao interior de seus contornos, expurgados por velhas elites que mantêm sob custódia os direitos públicos, as intervenções econômicas e as forças de repressão e punição.

O grande desafio político deste século é declarar totalmente abertas as cidades de todo o mundo, não porque delas se queira desistir, mas porque a elas se queira dar nova face, verdadeiramente humana e democrática.