Chico nasceu no Acre, na pequena Xapuri, num mundo cravado no coração da floresta amazônica. Garoto franzino, de olhar tímido, descendia de cearenses que fugiram da seca e migraram para o oeste em busca do paraíso perdido. A verdade, porém, é que Chico, seus familiares e companheiros de jornada só encontraram na densa zona equatorial algo equiparável ao inferno.

Presos ao sistema de aviamento ("pague para entrar, reze para sair"), que os endividava desde o nascimento para o trabalho, os seringueiros eram obrigados a labutar para garantir comida ruim, teto frágil e roupas usadas. Tudo caro, sem alternativas. Enquanto isso, os proprietários da terra, inchavam as algibeiras. A borracha - o ouro negro - era exportada e sustentava a produção industrial na Europa e nos Estados Unidos. Os avós e pais de Chico conheceram o apogeu e o declínio dessa era dourada. O fato, contudo, é que só a miséria e a violência eram socializadas entre os povos da floresta.

Chico encarou as primeiras letras aos 12 anos de idade. Não havia escolas nos seringais. Nem hospitais. Nem roçados. Nem diversão alguma. Havia, no entanto, um comunista chamado Euclides. Encantado pelo potencial humano do garoto Chico, o militante das bandas do Sul decidiu alfabetizá-lo e apresentá-lo às escritas dos grandes mestres das ideias. Chico e Euclides ficaram juntos por muitos anos. Um dia, o mestre partiu, deixando na floresta aquele que viria a ser seu símbolo universal de decência e coragem.

Curioso e letrado, sensível e portador de um dom fascinante para liderar, Chico cresceu numa cultura de exploração e injustiça. Assistiu a perseguições e mortes; acompanhou a expansão pecuária e madeireira que devastava a selva; contou toda a gente que chegava ou ia embora da floresta, ainda iludida ou já desiludida; sonhou a mata para quem nela trabalhava, voltada para as necessidades do seu povo e para as urgências da humanidade. Chico viveu nos seringais acreanos, mas pensou e agiu de modo cosmopolita, para muito além de si.

A partir da década de 1970, ajudou a fundar sindicatos e a unificar as lutas de indígenas, ribeirinhos, coletores e seringueiros. Sua incansável resistência em favor da Amazônia rendeu-lhe desafetos e acendeu fogueiras de ódio. Chico, vestindo um paletó surrado, saiu pelo mundo, falou no estrangeiro, seduziu a opinião pública global. Ajudou a oxigenar a política com ideias frescas, progressistas, inéditas nos grotões da intransigência e dos tiros de fuzil. Chico ensinou que a vitória de longo alcance, que traria benefícios no presente e se estenderia pelo futuro, requeria novas estratégias, inéditas condutas.

Chico "empatou" a irrazão aniquiladora dos inimigos da mata. Reunindo homens, mulheres e gente de toda idade e cor, criava barricadas que se punham à frente daqueles que exibiam pistolas e operavam motosserras. Passava a se dirigir ao coração daquelas pessoas, ludibriadas pelos donos do capital. Falava-lhes sobre quanto o fim da floresta representaria prejuízo irreparável para todos. Convencia-as a mudar de lado, a lutar pela causa mais avançada e abrangente. Os empates acumularam vitórias e contradisseram a lógica insaciável do vil metal. Chico era mestre das palavras, um humilde seringueiro alfabetizado à luz de lampião nas escuras noites amazônicas.

Os empates trouxeram prêmios internacionais para Chico e desaguaram na criação de reservas extrativistas e grandes áreas protegidas por lei contra o desflorestamento. Os empates, contudo, não puderam evitar a mais dolorosa das derrotas: covardemente, Chico foi assassinado, perto do Natal de 1988, em casa, aos 44 anos de vida. Embora tenha antecipado até o nome de seus algozes, pouco se fez, de fato, para evitar sua morte. Chico não acreditava que cortejos fúnebres salvariam a Amazônia. Por isso, queria viver.

O cientista social camaronês Achille Mbembe afirma que a soberania do Estado é, antes de tudo, o direito de decidir quem vai viver, como e onde. Mais do que isso: o Estado, acuado pela relação social mediada pelo capital e seus representantes (que querem mais veneno na comida, menos leis ambientais e campo aberto para saquear aldeias e quilombos), orienta-se pela "necropolítica", que subjuga a vida ao poder da morte, redefinindo as formas de resistência, sacrifício e terror. Chico foi assassinado pela necropolítica brasileira. Sua história, contudo, é bem maior que isso. Chico queria viver. Chico viverá.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL - [email protected]