Betinho, um sociólogo
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quarta-feira, 06 de setembro de 2017
O maior legado do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (1935-1997), foi ter contribuído para despertar nos brasileiros afeto e indignação, dando visibilidade a milhões de cidadãos subjugados pelo esquecimento e pela miséria.
O franzino mineiro, nascido em Bocaiuva, teve uma vida difícil. Hemofílico, esteve sempre ao sabor das limitações. As rotineiras transfusões de sangue e as dificuldades para executar tarefas simples o obrigaram a interromper os estudos diversas vezes. Dos 15 aos 18 anos, tuberculoso, viveu confinado num quarto em casa. Sempre vencendo os diagnósticos médicos, Betinho renascia e trazia à cena sua vontade de mudar o mundo.
Em 1958, em Belo Horizonte, ingressou na universidade e começou sua caminhada pela Sociologia. Já profissional, foi assessor do Ministério da Educação, no Governo Jango, nas campanhas de alfabetização de adultos idealizadas por Paulo Freire. Destacou-se, também, na luta pela reforma agrária, fato que lhe rendeu o Prêmio Global 500, da ONU (Organização das Nações Unidas).
Criado num ambiente solidário aos mais pobres, Betinho militou na Ação Católica um bravo ramo progressista da igreja e, nos anos de ditadura civil-militar, na Ação Popular, uma agremiação que reunia religiosos, estudantes e intelectuais contra os tentáculos do autoritarismo. Nesse período, tornou-se operário numa indústria paulista, uma experiência que lhe permitiu ficar ao lado daqueles que defendeu a vida inteira.
Enquadrado pela Lei de Segurança Nacional como uma "ameaça expressiva ao País", Betinho viveu oito anos no exílio. Na clandestinidade, conheceu Maria Nakano, com quem permaneceria até o fim da vida.
De volta ao Brasil, em 1979, tornou-se símbolo da Anistia. Henfil, o genial cartunista, transformou-se no "irmão do sociólogo Betinho", invertendo um belo verso de "O bêbado e a equilibrista", de João Bosco e Aldir Blanc.
O Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) foi criado por Betinho em 1981. Em atividade até hoje, surgiu para dar suporte aos movimentos sociais pela democracia. Através de pesquisas e análises de conjuntura, o Ibase produziu conhecimento e argumento para os embates políticos no País. Acima de tudo, ensejou uma nova mentalidade pública, disposta a encarar a longa tradição autoritária brasileira e a promover campanhas contra a fome e a desinformação, em favor da ética, da reforma agrária e da participação política.
Em 1986, Betinho descobriu-se portador do vírus HIV. No ano seguinte, ajudou a fundar a Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids), para combater o estigma e o preconceito. Em 1988, perdeu os dois irmãos, Henfil e Chico Mário, também contaminados nos bancos de sangue sem nenhum controle do País. "A ação da cidadania contra a fome, a miséria e pela vida" foi criada em 1993 e projetou Betinho no mundo, a ponto de ele ser cogitado ao Nobel da Paz.
Nos últimos tempos de vida, dedicou-se à elaboração de uma agenda social para a nação, que preconizava educação, moradia, saúde, segurança e trabalho para todos os brasileiros, integrando o centro e as periferias em espaços urbanos cidadãos.
Hoje, 20 anos após sua morte, é preciso lembrar o sociólogo que ensinou ao Brasil um pouco do dom da generosidade e muito sobre a prática do verdadeiro amor.
Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL -
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