A ideia de que tudo muda é uma prática enraizada na vida das pessoas. Com o passar do tempo, cores se desbotam, muros caem, espíritos aguerridos se desamparam. Da mesma maneira, o imaturo ganha viço, o inexperiente acumula saberes, a paixão arrebatadora se aquieta e se faz amor sereno. A mudança, em suma, é a lei geral da existência. Ela vale para o singular (o indivíduo e seus percalços) e o universal (a coletividade e suas contradições).

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O pensador alemão Walter Benjamin (1892-1940) temia a concepção de progresso que imaginava a história numa linha reta, rumo a um futuro sempre mais radiante e feliz. Ele afirmava que essa era a percepção que os vencedores tinham do tempo. Como precisavam justificar seus privilégios, insistiam que, sob seu domínio, o mundo caminharia na direção correta. Para tanto, sufocavam os vencidos e proibiam interpretações divergentes da história. Para todos os efeitos, havia um só fato e, portanto, bastava uma única versão a seu respeito. A hora e a vez da arrogância.

O aspecto mais negativo da arrogância não está no tom conclusivo dos juízos que ela suscita. Muitas vezes, o destempero é visto como um comportamento arrogante. Costuma ser. O fato, contudo, é que a impetuosidade e a petulância, embora condenáveis, não são seus ingredientes mais amargos. O caráter perigoso da arrogância reside em sua aversão à autocrítica, ou seja, ao exercício frutífero de ouvir o "outro", pressupor que pode haver nas palavras dele algo que perturbe e transforme impressões endurecidas sobre a vida e o mundo. Em livro recente, o escritor angolano Valter Hugo Mãe fala disso logo no título que dá à obra: "O paraíso são os outros".

Sem o questionamento de si mesmo, o conhecimento julga imortalizar-se. Assim, fecha-se em certezas e não consegue perceber a grandeza da realidade que o envolve, incitando-o à mudança. A ideia de progresso linear que tanta perplexidade causou a Benjamin indispõe-se com os aspectos surpreendentes do real. Dessa maneira, mantém-se à base de discursos violentos e posturas impositivas, condenando ao esquecimento aqueles que a problematizam. O antídoto contra a arrogância, nesses termos, só pode ser a rebeldia.

É evidente que espíritos rebeldes, além de alimentar a autocrítica, devem apreender o mundo através dos sentidos de quem, na história, foi impedido de interpretar, opinar, atuar. Ao mesmo tempo, a rebeldia que não queira se converter numa simples arrogância às avessas deve se abrir à possibilidade de encontrar em seus interlocutores algo que lhe possa ser valioso. Não se trata de abrir mão de convicções. As convicções guiam os indivíduos, dão-lhes argumentos, permitem-lhes um lugar no mundo. Mas elas podem também acovardá-los, prendendo-os a certezas duras, autoconfiança excessiva e comportamentos hostis. Em síntese, convicções empedradas são o embrião de condutas arrogantes.

O "outro" não é um apelo bobo de retórica. O "outro" é aquele com o qual se divide a realidade. Para o bem ou para o mal, o "outro" é um reflexo, a imagem invertida que cada um tem de si mesmo. Graças ao "outro", sabemos, na mais modesta das hipóteses, quem não queremos ser. Isso, sem arrogância, é o Éden à vista.

Marco A. Rossi é sociólogo e professor da UEL - [email protected]