Imagem ilustrativa da imagem A novidade da política
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As ideias têm seus próprios anticorpos. Para se protegerem do que possam retirá-las do prumo, fecham-se ao novo e optam por esquemas fáceis. É da "natureza" das ideias enrijecidas e dogmáticas, portanto, entender todo argumento contrário aos seus princípios como falsos ou mal-intencionados. Nos casos mais agudos de rejeição ao indesejado, os anticorpos tomam o lugar das ideias: onde existiam palavras, sons e imagens, passa a triunfar o vazio.

Uma ação reiterada dos anticorpos das ideias fixas é reduzir a dimensão da realidade. A complexidade é deixada de lado para que o mundo inteiro caiba em algumas poucas palavras, em textos curtos de internet, em conversas de botequim ou em acalorados debates familiares durante os almoços de domingo. Assim, a história perde viço, o pensamento se decompõe e o bom-senso bate asas e desaparece. Sobram lugares-comuns e indolências autoritárias. Como dizia o saudoso Barão de Itararé – hábil pseudônimo do humorista e jornalista comunista Apparício Torelly –, o mundo é redondo, mas está ficando meio chato.

A chatice maior é desvirtuar conceitos e colocá-los a serviço de argumentos irredutíveis. O prejuízo maior desse tipo de empreitada é inibir a pluralidade de interpretações predispostas em algumas ricas expressões da vida cotidiana. Um excelente exemplo pode ser apontado na palavra "política".

A política tem sido limitada a seus arranjos institucionais e formais. "Política é coisa de político", dizem os amantes das ideias fixas. E há mais: "Odeio política", grita o incauto pregador da moralidade dos sujeitos "de bem". De que trata tamanho encurtamento das ideias? A questão é, antes de tudo, de visão de mundo.

Todas as escolhas feitas por indivíduos em sociedade são políticas. Ao decidir ir ao cinema, assistir a uma palestra, ficar em casa no fim de semana, graduar-se no curso A ou B, casar ou permanecer solteiro, o ser humano estabelece um vínculo com o futuro, um tempo no qual as decisões do presente irão influir positiva ou negativamente na vida dos outros. Quando esses processos de cunho decisivo envolvem mais gente (como amigos, pais, filhos, companheiros de trabalho, amores ou amantes), a política se dilata e estabelece conexões. Os sentidos de uma existência atravessam novas formas de ser e viver. A sociedade se torna algo ainda maior, um cenário dos desdobramentos de cada pensamento e de cada ação – um palco essencialmente político.

O tipo de escolha que se faz, dentro de um leque possível de ofertas, também é, em si, um ato político. Qual filme ver? Qual livro ler? Com quem dividir as horas e os dias? Ao lado de quem lutar nos conflitos e crises do mundo? A resposta a cada uma dessas questões recairá sobre aqueles que estão no entorno. Tudo que se faz aqui, se refaz ali, se multiplica acolá. A política consiste exatamente nisto: é tema cotidiano da vida e, ao mesmo tempo, um mistério que alimentará esperanças ou frustrações nos dias que se seguem às suas deliberações.

Foi preciso o filósofo húngaro Georg Lukács: "É da essência da história engendrar sempre o novo". Democrática é a ideia que entende essa máxima e para ela se abre.